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Philip K. Dick: O Tempo em Marte (Paperback, português language, 2020, Aleph) 5 stars

O tempo em Marte, de Philip K Dick, é uma trama de poder e ambição …

Boa amostra da ficção demente de Phillip K. Dick

5 stars

(resenha original maior, com links → sol2070.in/2024/02/o-tempo-em-marte-phillip-k-dick-martian-time-slip/ )

Um dos principais motivos porque adoro ficção científica é o autor Phillip K. Dick. Só não li todos os seus livros porque havia pouca coisa traduzida lá pelo final dos anos 90. Então, comecei a buscar edições de Portugal ou em inglês, mas aí a febre foi passando e abandonei o projeto.

Dick talvez seja o autor de sci-fi mais adaptado para as telas. Suas histórias renderam filmes como Blade Runner, Total Recall, Minority Report, O Homem Duplo (A Scanner Darkly) e as séries O Homem do Castelo Alto e Sonhos Elétricos. Isso é curioso até, já que seu foco em aspectos psicológicos, filosóficos e psicodélicos (comum na ficção científica New Wave dos anos 60 e 70) não tem tanto apelo de massa.

Um de seus livros mais adorados é O Tempo em Marte (Martian Time Slip, 1964). Não conhecia. Foi delicioso mergulhar de novo em uma trama com todas as marcas registradas de P.K. Dick: tecnologias distópicas, alucinações que desafiam a realidade, degeneração planetária e ácido retrato sociopolítico, beirando a sátira burlesca.

É uma história de realidade alternativa sobre a colonização de Marte. Nesse universo, há oxigênio e vida no planeta, incluindo um povo nativo com o mesmo DNA humano (sugerindo que a vida na Terra e em Marte compartilham uma origem cósmica).

A falência da civilização na Terra também contamina a migração marciana. O planeta é basicamente um grande deserto, com algumas pequenas cidades lutando pra sobreviver. Já o povo nativo enfrenta miséria, racismo e exploração, possuindo alguma conexão cosmológica misteriosa.

Crianças com anormalidades físicas e mentais são ocultadas da sociedade em um hospital especial. Uma delas parece esconder algo por trás de seu silêncio autista.

Já o protagonista é assombrado por uma esquizofrenia que também parece revelar algo mais profundo. Como em várias obras de Dick, um tema central é: qual é a natureza da realidade?

Esse livro é considerado especial por fãs por detalhar como a mente de Dick operava. Já como primeira leitura, talvez seja bizarro demais.

Dick foi diagnosticado como esquizofrênico e viveu situações como a de seus livros, tendo até criado obras sobre elas1, como VALIS (Vast Active Living Information System).

Apesar de soar datado em alguns pontos (afinal foi imaginado 60 anos atrás), O Tempo em Marte é profético em muitos pontos, como a atual epidemia de problemas mentais. Bem antes do Realismo Capitalista (2009) de Mark Fisher, ele já apontava esses distúrbios como sendo produtos sociopolítico-culturais, de uma sociedade cronicamente moribunda.

Um outro aspecto da psicose também é explorado, como um tipo de portal para o inconsciente coletivo ou até dimensões mais profundas. Mas sem romantizar, muito pelo contrário. A loucura vai avançando com a trama, até um ponto digno dos pesadelos mais perturbadores.

O flerte com o horror também atua dentro do gênero "criança bestial".

Dick costuma ser esnobado pela ala da "literatura séria", principalmente por seus personagens rasos, bidimensionais (e também porque escrevia para revistas baratas, sendo publicado por editoras do mesmo tipo).

Mas O Tempo em Marte é diferente de seus outros livros por penetrar profunda e intimamente na mente das personagens. Por exemplo, há cenas que se repetem revelando o modo como pessoas diferentes perceberam. É definitivamente um livro mais humano do autor.

Resumindo, para fãs de Phillip K. Dick ou de ficção científica mais doidona, é imperdível.