sol2070 reviewed Todos os Belos Cavalos by Cormac McCarthy (Trilogia da Fronteira, #1)
Faroeste existencial
5 stars
( sol2070.in/2024/11/todos-os-belos-cavalos-cormac-mccarthy/ )
"Todos os Belos Cavalos" (1992), de Cormac McCarthy, é o primeiro volume da Trilogia da Fronteira, um épico “faroeste existencial”, como costuma ser chamado.
Só mesmo a prosa mitológica de Cormac para me fazer ler um faroeste. “Faroeste” apenas na caracterização e cenário, a fronteira EUA-México nos anos 40. Não há justiceiro enfrentando bandido depois de uns goles no saloon. Tem sim algum tiroteio, mas o foco da história é a jornada por zonas limítrofes, também no sentido metafórico. Fazendo jus ao título, não faltam cavalos em toda a sua profunda dimensão.
Inconformados com a perspectiva de suas vidas, dois rapazes de 16 anos abandonam os EUA em direção ao México. Encontram um menino mais insano e novo que eles, tendo então que lidar com as consequências.
Li o livro depois do volume 2, "A Travessia", achando que estava relendo-o. Na juventude, um exemplar em inglês de "Todos os Belos Cavalos" acumulou poeira na estante a ponto de achar que já tinha lido, talvez o confundindo com o assombroso "Meridiano Sangrento". Percebi logo que estava lendo pela primeira vez.
Comparando com o 2, é mais convencional — no sentido de cumprir expectativas —, aventuresco e até romântico, mas não como defeito. É um livraço! A questão é que "A Travessia" é cativantemente sombrio, tocando temas mais no núcleo da existência humana; fica até difícil chamá-lo de “faroeste”, apesar do cenário idêntico e das explosões de violência.
O autor consegue ser um estilista incomparável na prosa, sem soar afetado ou pedante. Quem mais escreveria uma frase assim?
"Vinha do leste a varar a escuridão como um satélite obsceno do sol que nasceria berrando e uivando ao longe e o comprido facho do farol correndo no meio do emaranhado de galhos de algarobos e fazendo emergir da noite a interminável cerca ao longo da linha principal e sugando-a de volta arame e mourão milha a milha para dentro da escuridão atrás onde a fumaça da caldeira se desfazia lentamente no tênue novo horizonte e o som vinha em seguida e ele ainda estava parado segurando o chapéu durante a passagem do tremor de terra olhando até o trem desaparecer."
A tradução de Marcos Santarrita é excelente.
Um porém inegável é que, como brinca uma amiga, é um “livro de menino”. Não que dissemine machismo ou chauvinismo, pelo contrário. Mas predomina aquele estilo de desbravamento heroico, com tudo o que vem junto, geralmente associado à masculinidade. Não tem problema, já que sou “menino” também.