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Boris Strugatsky, Борис Натанович Стругацкий: Piquenique na Estrada (Hardcover, Português language, 2017, Aleph) 5 stars

EXISTEM SERES INTELIGENTES NO ESPAÇO. MAS, PARA ELES, A HUMANIDADE É IRRELEVANTE.

A cidade de …

Entre os melhores clássicos da FC

5 stars

( sol2070.in/2025/01/livro-piquenique-na-estrada-filme-stalker/ )

Entre os clássicos da ficção científica, "Piquenique na Estrada" (1972) é a melhor coisa que li nos últimos anos. Os autores são os irmãos Arkádi & Boris Strugátski, considerados os grandes autores russos do gênero.

O livro é famoso por ter dado origem ao filme "Stalker" (1979), do russo Andrei Tarkovsky, mas consegue se elevar por si só — o que não é pouca coisa, considerando a grandeza do filme.

O que une as duas obras é a Zona, uma extensa área afetada pela “visitação” de, provavelmente, alienígenas. “Provavelmente” porque não aparecem e nunca ninguém viu. No livro, ficaram para trás artefatos misteriosos repletos de efeitos ainda inexplicáveis pela ciência, além dos estranhos perigos fatais da região, e das mutações em quem se aproxima demais.

“Stalkers” são pessoas que se sacrificam entrando ilegalmente para coletar os objetos e contrabandeá-los.

"Piquenique" foi — e ainda é — uma original história de contato, pois a humanidade não é nada para os supostos alienígenas, que vieram e simplesmente ignoraram humanos. Como um grupo que faz um piquenique perto de alguma estrada e parte deixando restos e lixo. Animais e insetos estranham a visitação, e se maravilham e deliciam com os objetos deixados pra trás, sem a mínima ideia do que são, como fazem os humanos de "Piquenique na Estrada".

Como diz Ursula K. Le Guin na introdução dessa edição (com ótima tradução, diretamente do russo), outra qualidade é que a Zona é vista através dos olhos de pessoas simples, passando necessidades, sem grande erudição ou sofisticação, ao contrário do que costuma acontecer nas histórias do tipo, com seus geniais cientistas ou pessoas de talento ou poder extraordinários.

Na verdade, é um eufemismo chamar o protagonista Red de “pessoa simples”. Ele é um beberrão bukowskiano que acaba se arriscando como stalker por falta de opção e futuro. O personagem é inesquecível, com sua couraça niilista e canalha. Um dos diversos pontos fortes da história é o conflito entre seu comportamento exterior e o que na verdade sente.

Filme ‘Stalker’ A comparação com o filme não tem muito sentido, como em "Blade Runner" (1982) ou o recente "Aniquilação" (2018), em que livro e filme são coisas quase totalmente distintas. Nessas adaptações para as telas, o objetivo não foi transpor a história para outro formato. São recriações, ótimas por si mesmas. Personagens e até a maior parte do enredo são outros.

Mas aproveitei a leitura para rever "Stalker". Tinha assistido algumas vezes quando jovem, sempre chapado. Não entendia nada, mas gostava. Mais pela cinematografia. A fotografia é memorável! Tarkovsky é daqueles que enquadram cenas como se fossem pinturas, em meio a diálogos existenciais que parecem teatro clássico.

Dessa vez, pude apreciar melhor. No Youtube, a produtora russa disponibiliza o filme na íntegra, em versão restaurada com gloriosa alta definição. www.youtube.com/watch?v=Q3hBLv-HLEc

Só que quem espera apenas um “cultuado filme de ficção científica” pode se decepcionar, e muito. É outra coisa. Arte em um estado mais descontaminado — algo nem tão fácil de apreciar com tudo o que predomina em volta. E o filme foca intensamente no aspecto filosófico da jornada pela Zona. Não é sobre enredo, suspense, ou acontecimentos fantásticos e surpreendentes.

Além da região contaminada, há outro ponto em que o livro e o filme convergem. Há um lugar na Zona que, dizem, concede qualquer desejo de quem se aproximar. O que será pedido? O que vale a pena desejar de verdade? A resposta disso rodeia o âmago da existência humana. As duas obras refletem centralmente sobre isso.