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Stanislaw Lem: Solaris (português language, Aleph) 5 stars

Quando o psicólogo Kris Kelvin chega em Solaris para estudar o oceano vivo – e …

Planeta senciente

5 stars

( sol2070.in/2025/01/livro-solaris-stanislaw-lem/ )

Apesar do gosto por ficção científica New Wave, só fui ler agora "Solaris" (1961), de Stanislaw Lem. É uma das histórias mais emblemáticas dos novos paradigmas dos anos 60, e o autor polonês, um de seus geniais expoentes — apesar de estar talvez mais alinhado com a FC tradicional.

Solaris é um planeta senciente, mais especificamente seu oceano gelatinoso, um organismo de inteligência e poder imensos e incompreensíveis. Após mais de 100 anos pesquisando, humanos ainda não conseguiram estabelecer comunicação, mas isso pode ter mudado com o aparecimento de expressões ligadas ao inconsciente dos astronautas na estação de pesquisa.

Ao mesmo tempo que aborda temas da inovadora FC sessentista — como natureza da identidade, consciência e vida — tem um apreço pela “hard sci-fi“ (de autores como Asimov ou Clarke) nas rigorosas descrições e especulações, em sua maioria de estudos (fictícios) citados. Podem impacientar pessoas leitoras mais apressadas, mas pra mim foram tão interessantes quanto o mistério de seu imenso objeto (apesar de que fiquei bocejando em uma longa descrição visual de singularidades geológicas).

Continua sendo uma história à frente do tempo devido à ruptura completa com a antropomorfização de alienígenas, com a ideia de que organismos de outros cantos do espaço apenas teriam mais braços, antenas e cores de pele do que humanos.

Talvez "Solaris" tenha até influenciado a Hipótese de Gaia, lançada 11 anos depois, em 1972, demonstrando que a biosfera terrestre atua como um organismo que se auto-regula.

A barreira, talvez intransponível, para compreender uma consciência surgida em condições muito diferentes das terrestres1 é outro elemento central da história, que influenciou bastante as especulações futuras sobre primeiro contato extraterrestre. Esse impasse ainda consegue sacudir o entusiasmo tecno-científico cego que não enxerga os próprios limites para a expansão do progresso científico e do conhecimento.

Há várias teorias de porque a comunicação com Solaris parece impossível. Sua dimensão gigantesca faria humanos se tornarem imperceptíveis. Suas expressões não se alinhariam à lógica humana. Talvez o organismo nem seja inteligente de fato, da maneira como humanos definem inteligência, apesar de conseguir reconstruir máquinas e até humanos funcionais.

As especulações sobre a natureza de Solaris, de modo instigante, também adentram a dimensão teológica. Perto do fim, o protagonista elabora uma teoria do tipo, envolvendo entidades alienígenas virtualmente onipotentes, indiferenciáveis daquilo que se entende por “deus”. Alguém poderia lembrar do enredo de "2001", de Arthur C. Clarke, mas "Solaris" veio sete anos antes.

A tradução em português não é ruim mas, se puder, evite — traz um ritmo por vezes pesado e desajeitado que não existe na versão em inglês (e no original polonês, imagino).

O genial cineasta russo Andrei Tarkovsky fez um filme baseado no livro, lançado em 1972. É como "Stalker": lento, filosófico, quase como uma peça de teatro filmada. Quando vi "Solaris", lá no começo dos 2000, não me atraiu (ao contrário de "Stalker"), a não ser pela ideia de um planeta inteiro senciente. A versão de Steven Soderbergh de 2002, com George Clooney, também passou reta. Mas ainda quero rever os dois.

Há uma história engraçada sobre Stanislaw Lem envolvendo Philip K. Dick. Lem traduziu "Ubik", de Dick, em polonês. Houve desentendimentos depois sobre royalties e Dick ficou paranoico, chegando a denunciar Lem para o FBI, em 1974, acusando-o de ser um fantoche para propagar valores comunistas nos EUA. Quando li a biografia de Dick, fiquei com a impressão de que, além da paranoia delirante, o norte-americano sentia-se existencialmente ameaçado pelo talento de Lem — foi isso que me deixou curioso sobre a rica e extensa obra do polonês.