Não se pode evitar a pergunta: “o que é, na verdade, esse tão variado conceito de ‘direito’?”
Mas se não há outra palavra mais pronunciada que “direito”, ainda assim, a resposta à nossa pergunta sobre sua essência não lograremos de maneira tão fácil. A pessoa vulgar nos remeterá aos grossos livros dos códigos ou a um corpo especial de juristas. E, na verdade, o “corpo” inteiro de juristas detém o conhecimento dessa área há séculos. A própria produção do direito assumiu a forma pura da grande produção (fabril), para sua aplicação e interpretação, foram criados verdadeiros templos, onde os sacramentos dos sacerdotes desse direito transcorriam por meio de todos os métodos da grande produção.⁹⁵ E, por trás de tudo isso, o campo do direito continua um mistério, algo incompreensível aos simples mortais, não obstante o fato de serem obrigados a sabê-lo e de que as mais ordinárias inter-relações entre as pessoas são reguladas por esse direito.
O jurista lhe perguntará, em resposta à sua questão geral, em qual direito propriamente dito você está interessado: civil, criminal ou um outro? E, como do médico a receita, talvez você receba a sua parte de direito e justiça, ainda que sem qualquer garantia. Mas assim como o médico não lhe explica o conteúdo de sua receita, também o jurista não lhe fornecerá um esclarecimento geral do direito.
Recorra a um estudioso do direito. Antes de mais nada, ele lhe perguntará a que direito propriamente dito você se refere: se é sobre o direito no sentido objetivo ou subjetivo, e lhe dirá, talvez, que o primeiro, isto é, “o direito em sentido objetivo é o conjunto de todas as normas sociais de uma determinada categoria, ou seja, das normas jurídicas”, enquanto o direito em sentido subjetivo é “a liberdade de ação criada por essas normas a cada sujeito, a possibilidade de realização de seus interesses”. Você ficará perplexo, pois não recebeu nenhuma resposta sobre a essência da questão do que é o direito, e lhe disseram apenas que esse conceito misterioso tem dois lados: o subjetivo e o objetivo.
Você recorre a outro estudioso, ele então lhe enumera uma série de características do direito segundo o seu conteúdo, mas logo lhe previne também que nenhuma dessas definições resiste à crítica, pois “mentalmente podemos representar ordenamentos jurídicos construídos diretamente sobre princípios opostos e, entretanto, cada um deles (ou seja, dos ordenamentos jurídicos) está baseado no direito”. Mas, para apaziguar, acrescentará: “contudo, não se trata de qual conduta se exige das normas jurídicas, mas como se exige uma conduta indicada pelas normas do direito” (Chercheniévitch).⁹⁶Deixo de lado os diversos trabalhos gerais e especializados sobre a questão do direito e recorro a um livro amplamente acessível e citado acerca de quaisquer questões. Na Grande Enciclopédia, leio: “Direito. A questão da essência do direito faz parte dos problemas mais difíceis e até agora não resolvidos. Até o presente momento, na teoria geral do direito, um grande número de distintas teorias significativamente diferentes umas das outras disputam o domínio exclusivo entre si”.⁹⁷ Isso significa que sobre esse mesmo direito que por séculos “governa” a humanidade, em nome do qual ocorreram motins, revoltas, revoluções, até hoje permanecem em vigor as palavras de [Immanuel] Kant: “os juristas ainda procuram uma definição para o seu conceito de direito”.⁹⁸ Mas os juristas, e não somente eles, acrescentamos nós, procuram em vão a definição da eterna categoria de direito. E veremos mais adiante por que não puderam e até não quiseram (ou seja, talvez, inconscientemente, mas ainda assim não quiseram) encontrar e oferecer uma definição realmente científica do conceito de direito.
— O Papel Revolucionário do Direito e do Estado by Piotr Stutchka (Page 22 - 23)