7.1 IGUALDADE PERANTE A LEI E IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
As disposições mais importantes no âmbito da igualdade são sem dúvida o art. 5º, caput e 1. e o art. 3". IV. O caput do art. 5º abre a declaração de direitos da Constituição de 1988 com a tradicional fórmula "todos são iguais perante a lei". Já o art. 5", 1. aplica essa fórmula de maneira explícita às relações entre mulheres e homens: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". Na tradição constitucional brasileira, esse tipo de igualdade é chamado de igualdade formal. Embora esse tipo de norma possa ser sensível a alguns tipos de desigualdade e ser útil para amenizar os seus efeitos, com base em um de seus possíveis corolários, segundo o qual é preciso tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, ainda assim a igualdade meramente formal não tem como objetivo reduzir desigualdades, ao menos não desigualdades estruturais. Por isso, até 1988, ao menos do ponto de vista constitucional, a proteção da igualdade sempre foi considerada compatível com a manutenção de um status quo extremamente desigual.
A igualdade formal não tem, portanto, uma ligação necessária com outra forma de igualdade, a igualdade de oportunidades, que na tradição constitucional brasileira costuma ser chamada de igualdade material ou substancial. Muitos defendem que essa igualdade material ou substancial seria expressa por aquilo que, no parágrafo anterior, chamei simplesmente de corolário da igualdade formal o dever de tratar desigualmente os desiguais. Não é o caso de abrir um debate meramente termino lógico aqui. Importante é ter em mente que a igualdade substancial é um objetivo e que, por isso, depende de uma ação concreta para ser realizada. Às vezes, tratar desigualmente os desiguais pode ser uma forma de promoção de igualdade substancial. O caso das ações afirmativas talvez seja o exemplo mais claro disso. Mas muitas vezes tratar desigualmente os desiguais, embora possa amenizar os efeitos da desigualdade, não colabora para alterar o status quo e diminuir essa desigualdade Nesse caso, tratar desigualmente os desiguais não implica a promoção de mudanças estruturais. A possibilidade de mulheres se aposentarem mais cedo do que os homens é um exemplo disso. Grupos desiguais são tratados de forma desigual, mas esse tratamento desigual não tem como objetivo alterar o estado de coisas, apenas amenizar parte de seus efeitos. Por fim, muitas ações com vistas a promover igualdade substancial podem não implicar tratar desigualmente os desiguais. Pelo contrário, elas tratam todos de forma idêntica, a despeito de suas desigualdades. A oferta de ensino público, gratuito e de qualidade é um exemplo esclarecedor. Embora um de seus objetivos seja diminuir desigualdades, as pessoas não são tratadas de forma desigual.
Para evitar a confusão entre tratamentos e objetivos, que costuma permear a contraposição entre igualdade formal e igualdade substancial, parece ser mais adequado substituir a expressão igualdade substancial ou material por igualdade de oportunidades, como foi feito anteriormente. A Constituição de 1988, ao lado de nor mas garantidoras de uma igualdade apenas formal, possui também várias disposições que atribuem objetivos a serem perseguidos pelo Estado e um desses objetivos é a redução das desigualdades. Até mesmo antes de o art. 5º estabelecer a igualdade formal ("todos são iguais perante a lei"), o art. 3º define os "objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil", dentre os quais se incluem: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3", m) e "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3", IV). Essas e outras disposições constitucionais impõem um dever de promover a igualdade de oportunidades.
— Direito Constitucional Brasileiro by Virgílio Afonso Da Silva (Page 132 - 133)