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Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

O tributo mais importante para fins distributivos, o imposto sobre a renda, atualmente apenas marginalmente progressivo, Embora haja quatro alíquotas distintas, a maior delas é de apenas 27,5%, o que significa que trabalhadores de classe média estão sujeitos à mesma alíquota nominal que multimilionários, Para além dessa regra geral injusta porque trata igualmente pessoas em situações extremamente desiguais regras específicas tornam o sistema ainda mais iníquo. Em muitas circunstâncias, pessoas com maior renda estão sujeitas a uma alíquota eletiva mais reduzida do que pessoas com renda menor. Alíquota efetiva é a porcentagem da renda total de um indivíduo que efetivamente é paga como imposto. Essa alíquota efetiva é fortemente afetada por deduções com saúde, educação e outras. Essas deduções tendem a beneficiar sobretudo quem já é privilegiado em termos de renda. Assim, famílias com crianças matriculadas em escolas públicas e que usam o serviço público de saúde não se beneficiam de deduções no imposto de renda. Famílias com crianças nas mais caras escolas privadas, que têm planos de saúde e, além disso, pagam médicos privados, podem deduzir boa parte desses gastos do imposto de renda. Com isso, reduzem drasticamente a sua alíquota efetiva. O Estado, portanto, financia indiretamente a educação e a saúde privadas de quem já tem mais dinheiro".

O mais surpreendente nesse âmbito é o fato de um imposto sobre a renda tão pouco progressivo ser adotado sob a vigência de uma constituição que tem como objetivo expresso essa maior igualdade e solidariedade, como é a Constituição de 1988. enquanto no passado, sob a vigência de constituições muito menos igualitárias, o imposto sobre a renda foi muito mais progressivo. Durante os anos 1970, nunca houve menos do que doze alíquotas distintas e a maior delas nunca foi menor do que 50%. No começo dos anos 1980, a maior alíquota chegou a 60%. Embora a tendência a diminuir as alíquotas máximas possa ser identificada em diversos outros países, seu impacto negativo (em termos distributivos) é com certeza muito maior naqueles países onde a desigualdade é alta, como é o caso do Brasil. Em nenhum outro país do mundo os 1% mais ricos possuem uma parcela maior da renda nacional pré-tributação do que no Brasil: aqui, os 1% mais ricos detém 27,8% dessa riqueza".

O cenário é ainda pior quando se levam outros tributos em consideração. O imposto sobre herança e doações (ITCMD, Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) é cobrado pelos estados e pelo Distrito Federal. Embora possa ser progressivo, na maioria dos estados ele não o é. Além disso, uma resolução do Senado limitou a alíquota máxima a 8%", a qual não é aplicada em quase nenhum estado. Na maioria deles, a alíquota máxima é de meros 4%. Por fim, vários estados isentam do ITCMD doações até determinado valor. Como heranças e doações para membros da mesma família são formas de manter desigualdades na distribuição de riqueza, é possível afirmar que o modelo de impostos sobre heranças e doações adotado no Brasil não é efetivo para mitigar esses efeitos.

No que diz respeito ao imposto sobre grandes fortunas, previsto pelo art. 153, vit, ele até hoje não foi introduzido no Brasil. A Constituição apenas permite a sua instituição, mas a criação e cobrança efetiva do imposto depende da promulgação de uma lei complementar. Essa lei nunca foi feita e não há sinais de que algo nesse sentido ocorrerá em futuro próximo.

A completa ineficiência do sistema tributário brasileiro para desempenhar a tarefa distributiva e promover a igualdade é ainda reforçada por dois outros fatores. Em primeiro lugar, quase 50% das receitas tributárias no Brasil provém de tributação sobre o consumo. Como essa forma de tributação é extremamente regressiva, já que todos pagam a mesma alíquota, seja qual for a capacidade contributiva, essa predominância de impostos sobre consumo na arrecadação tende a aprofundar as desigualdades já existentes. Em países desenvolvidos, tributos sobre a renda são em geral responsáveis pela maior fatia da receita tributária, sendo às vezes duas vezes maior do que aquela representada pelos impostos sobre consumo. No Brasil, a situação é exatamente oposta: como mencionado, impostos sobre o consumo representam quase 50% da receita tributária, parcela mais do que duas vezes maior do que aquela do imposto sobre a renda.

Em segundo lugar, é preciso salientar que diferentes fontes de renda são tributadas de forma distinta no Brasil. Embora isso não seja um problema em si, o fato de a renda proveniente do trabalho ser frequentemente tributada com base em alíquotas mais altas do que a renda proveniente de ganhos de capital é, com certeza, um problema. Isso significa que aqueles cuja principal fonte de renda é o salário tendem a ser mais fortemente tributados do que aqueles que recebem sua renda sobretudo de ganho de capital. Além disso, ao contrário do que ocorre com o imposto sobre a renda proveniente do trabalho, a alíquota aplicável a ganhos de capital não é progressiva. Distorção ainda mais profunda é causada pela previsão legal de que lucros e dividendos pagos por pessoas jurídicas não são sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integram a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica". Assim, enquanto quem recebe salário pode estar sujeito a uma alíquota de até 27,5%, quem recebe lucros e dividendos não está sujeito a qualquer alíquota, não importa o valor recebido. Essa regra é claramente incompatível com o sistema tributário definido pela Constituição.

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 135 - 136)