Quem me apresentou esse livro, por conhecer a autora Isabelle Stengers, foi meu companheiro que é antropólogo. Ele ficou particularmente interessado ao ver que a Editora da Unicamp publicou a primeira tradução em PT-BR (ou, carinhosamente, brasileiro) desse livro lançado inicialmente em 1993 em francês.
Comecei a ler particularmente interessada em um tópico da história da química: o desenvolvimento do que chamamos de modelos atômicos, e as controvérsias em torno do átomo desde o marco do "átomo de Dalton" (1808). As autoras abordam essas questões, mas um pouco menos do que eu gostaria. O átomo recebe particular atenção em dois capítulos: 17 ("A análise em face dos átomos") e 30 ("Dos átomos ao átomo"). Um dos tópicos que mais me interessa, a descoberta do elétron por parte de Thomson (1897), recebeu pouca atenção das autoras. Nesse aspecto, o desenvolvimento da história do átomo como uma narrativa surrupiada e controlada pela física foi notável, mesmo deixando de lado Thomson.
Eu esperava desse livro um foco maior na historiografia da filosofia da ciência, em particular da química. Essa faceta é explorada, mas nem perto da quantidade que eu gostaria. Há, entretanto, uma parte substancial do livro dedicada à aproximação intrínseca entre desenvolvimento da química enquanto ciência, seja pura ou aplicada, e a indústria. Mostrando o que é óbvio para qualquer entendedor de história da ciência: não necessariamente a ciência básica sucede a tecnologia. Na verdade, a história mostra justamente o contrário acontecendo com maior frequência. E é na química que essa influência da tecnologia e da indústria aparece de forma ainda mais forte que na física e na biologia.
Dois aspectos me deixaram insatisfeita com o livro:
-
Por ser escrito por francesas, a história da química é apresentada como um produto eurocêntrico, mas sem citar essas palavras ou fazer qualquer crítica. Mais de uma vez, revirei os olhos com a flagrante colonização nas palavras, como no capítulo 25, págs. 254-255: "Como os ingleses detinham somente o controle de um pequeno território na Amazônia, um brilhante súdito de Sua Majestade, H. A. Wickham, consegue contrabandear sementes da Hevea brasiliensis, fazê-las germinar no Jardim Botânico de Kew, em Londres, e depois aclimatá-las ao Ceilão e à Malásia." Oras, se isso não é um clássico caso de biopirataria cometido por parte de europeus, eu não sei o que é. Países e culturas fora do eixo Europa-Estados Unidos são citados só de forma anedótica e curiosa, quase como uma observação de zoológico. Mas não é como se eu não tivesse sido avisada: o próprio escritor do prefácio à edição brasileira e tradutor da obra escreve no prefácio: "Trata-se, por outro lado, de uma abordagem eurocêntrica, na maneira tradicional da historiografia das ciências, com raras referências à história americana ou africana – o Brasil, por exemplo, aqui se resume à Amazônia, com a borracha, e ao carnaval dos lança-perfumes".
-
Eu esperava um enfoque menos masculino da história da química. Mas a única mulher citada substancialmente aqui é a Marie Curie – óbvio, não tem como não a citar. Não é dizendo que as mulheres apareceriam muitas vezes entre os principais nomes da história, principalmente do século XIX para trás, mas com certeza há presença feminina não citada aqui. Isso me aborreceu.
Demorei um pouco para me ambientar com o estilo narrativo do livro, também, mas isso passou depois da página 100 (são 360 págs.) De resto, achei o livro bastante interessante. É necessária alguma ambientação prévia na química para entender de fato o que está sendo abordado, e mesmo quem tem essa ambientação provavelmente vai sofrer com o caos de nomenclaturas históricas nos primeiros capítulos.
Um aspecto que me deixou bastante pensativa foram os capítulos finais, que abordam como a química se transformou em sinônimo de algo negativo, a aplicação ruim da física e da biologia para fins industriais, essas duas sim ciências de fato. Físicos e biólogos não se importam com a química até precisarem dela como um apetrecho tecnológico a ser considerado em algum aspecto, isso é fato. Será possível que a química tenha uma identidade própria, recuperando o espaço narrativo perdido para física e biologia, ou ainda mais, que a química consiga se descolar de um desenvolvimento tipicamente colonizado? Questões a serem estudadas mais profundamente.