sol2070 reviewed A Curva do Sonho by Ursula K. Le Guin
O livro de Ursula Le Guin que sempre quis
5 stars
(texto original com links: sol2070.in/2023/10/O-livro-de-Ursula-Le-Guin-que-sempre-quis )
A primeira vez que ouvi falar de Ursula K. Le Guin foi buscando autores de ficção científica similares a Philip K. Dick, há algumas décadas, quando ele era meu autor favorito. Dick é mais famoso pela história que o clássico Blade Runner (1982) adapta para as telas. Suas histórias ainda conseguem explodir mentes, de tanta piração, mesmo diante da atual elevação do padrão de loucura.
Como meu primeiro livro de Ursula, adorei a A Mão Esquerda da Escuridão (1969), que costuma aparecer em primeiro lugar nas listas de fãs. Decepcionei-me um pouco apenas por não ser tanto como Dick, apesar de ambos encabeçarem a "Nova Onda" scifi dos anos 60 e 70. Também virei fã de Le Guin.
Se eu soubesse que ela havia escrito um livro não apenas em homenagem a P.K. Dick, mas também como se fosse uma história dele, teria lido antes de todos os outros. Trata-se de A Curva do Sonho (1972).
É sobre uma pessoa cujos sonhos têm o poder de alterar a realidade, em um futuro distópico não muito distante da atualidade. Antenada com os alertas ambientais dos anos 70, Ursula acertou bastante sobre a emergência atual.
Mas o cenário não se limita a distopias catastróficas. Há uma instigante alternância de mundos, incluindo até aquele tipo de utopia aparente que, na verdade, apodrece por dentro.
Histórias de universos paralelos se tornaram um clichê meio insuportável hoje. Não gosto particularmente porque antipatizo com a teoria por trás do conceito: a "interpretação de muitos mundos" (IMM).
Resumidamente, há aquelas experiências da física quântica em que um fóton às vezes se comporta como partícula e às vezes como onda. Uma interpretação (a de Copenhagen) é que o ato da observação, ou a consciência, determina o resultado da experiência. Assim, a consciência precederia a matéria, em termos de realidade.
Já na IMM, haveriam múltiplos universos paralelos, materialmente existentes. Em um deles, o fóton é onda, em outro, partícula, e em muitos outros, sabe-se lá o quê. Parece que essa explicação assume o papel do status quo, ficando na defensiva de um universo materialmente existente. A lisérgica possibilidade de a realidade ter uma natureza primordialmente mental desafia demais o padrão vigente, então é preciso uma explicação materialista-científica que dê sentido ao experimento quântico.
Gostei especialmente de A Curva do Sonho pois é uma das poucas histórias de ficção científica que parte dessa visão de que a realidade é feita de uma "substância" mental. Dick também era especialista nisso.
Esse é um dos grandes temas do livro: o que é a realidade? Não há respostas prontas, mas simplesmente transportar quem lê até um ponto de questionamento genuíno sobre a natureza do universo já é um feito e tanto.
Também versa profundamente sobre falsas utopias e "as boas intenções no mal". E há até "primeiro contato"!
Vale lembrar que é um produto cultural dos anos 70. As páginas transpiram com o clima da época. Acontecem coisas que hoje já saturam a ficção científica mas, na época, ainda não eram clichê. Até acho bem saboroso, mas pode deixar um gosto "pulp" demais para quem não estiver acostumado, exatamente como Philip K. Dick.