Thamiê Stella started reading Úrsula
Úrsula
Que histórias uma negra brasileira, em pleno séc. XIX, desejaria contar a respeito da escravidão? Parte da resposta encontra-se na …
Fã confessa de clássicos, góticos, Kurt Vonnegut e poema bem grandão. Perdida também no Mastodon: libretooth.gr/@thamiestella
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Que histórias uma negra brasileira, em pleno séc. XIX, desejaria contar a respeito da escravidão? Parte da resposta encontra-se na …
Ao usar a obscuridade da selva africana como pano de fundo para reflexões acerca da natureza humana , esta surpreendente …
O diário de Carolina Maria de Jesus surgiu este autêntico exemplo de literatura-verdade, que relata o cotidiano triste e cruel …
Sobre O duplo, seu segundo romance, publicado em 1846, Dostoiévski declararia: "nunca dei uma contribuição mais séria para a literatura …
Creio que qualquer coisa que escreva aqui sobre a obra seja redundante: ela fala por si só. Quarto de Despejo é o relato poético e duro de Carolina de Jesus sobre a mazela dos mais vulneráveis. Moradora da favela do Canindé (SP), posteriormente desapropriada para a construção da Marginal Tietê, Carolina descreve em seu diário sua luta cotidiana para garantir a sobrevivência de sua família (ela e seus 3 filhos pequenos) a partir de seu trabalho como catadora de papel e ferro. É um relato duro, pesado, sobre um cotidiano de fome, sobre a violência, o racismo estrutural, a gentrificação, a falência das políticas sociais, e o papel da mulher numa sociedade patriarcal. Muitas vezes usando frases curtas e embebidas em lirismo, Carolina de Jesus dá voz a dor invisível dos moradores das favelas metropolitanas, trazendo humanidade e complexidade a indivíduos que a grande mídia costumeiramente retrata como uma massa …
Creio que qualquer coisa que escreva aqui sobre a obra seja redundante: ela fala por si só. Quarto de Despejo é o relato poético e duro de Carolina de Jesus sobre a mazela dos mais vulneráveis. Moradora da favela do Canindé (SP), posteriormente desapropriada para a construção da Marginal Tietê, Carolina descreve em seu diário sua luta cotidiana para garantir a sobrevivência de sua família (ela e seus 3 filhos pequenos) a partir de seu trabalho como catadora de papel e ferro. É um relato duro, pesado, sobre um cotidiano de fome, sobre a violência, o racismo estrutural, a gentrificação, a falência das políticas sociais, e o papel da mulher numa sociedade patriarcal. Muitas vezes usando frases curtas e embebidas em lirismo, Carolina de Jesus dá voz a dor invisível dos moradores das favelas metropolitanas, trazendo humanidade e complexidade a indivíduos que a grande mídia costumeiramente retrata como uma massa amorfa. Como mais uma prova do racismo e da injustiça, ainda que a obra de Carolina seja hoje considerada um dos maiores livros da literatura brasileira, em vida ela nunca recebeu (principalmente financeiramente) o reconhecimento do sucesso internacional de seu livro. Lembrar e cultuar Quarto de Despejo é também uma forma de lembrarmos como a narrativa de uma mulher pobre e negra foi usurpada pela branquitude de sua época. Esse livro deveria ser, em minha humilde opinião, leitura obrigatória em escolas. Ele traz luz a um Brasil incômodo, mas que tristemente é ainda tão real.
Content warning Detalhes da trama
Coração das Trevas é um livro contraditório. Ao mesmo tempo que o relato quase autobiográfico de Joseph Conrad traz elementos racistas em sua análise e descrição aos africanos colonizados por britânicos, o autor - sob a narração em primeira pessoa do protagonista - faz críticas ao colonialismo europeu e tece uma interessante análise psicológica, utilizando a impenetrável e imponente selva africana como metáfora e síntese dos confins mais assustadores da mente humana. Ao traçar a jornada do recém contratado Capitão Marlow pelo rio Congo atrás do famoso General Kurtz, Conrad vai aos poucos descrevendo uma jornada rumo ao inferno. Mas este inferno não é geográfico, e sim psicológico. Sua odisseia parece caminhar até um destino idealizado: a figura de Kurtz, endeusada por aqueles que o conhecem. Kurtz durante boa parte do livro é uma imagem, um ideal. O encontro de Marlow com o verdadeiro Kurtz não só quebra essa imagem como também deturpa todo o conceito que os colonizadores tem sobre si. Tido como o melhor dentre seus homens, Kurtz apresenta traços de psicopatia e megalomania, e transforma a área que controlava para tráfico de marfim em uma seita onde ele é a divindade. Embora diga-se que as trevas da selva o transformaram, o próprio capitão Marlow não acredita: "A floresta o havia possuído logo de início e lhe imposto uma vingança por sua absurda invasão. Acredito que ela tenha sussurrado em seus ouvidos coisas sobre si que ele mesmo não sabia, e que só veio a conhecer quando teve contato com aquela grande solidão. Por esse motivo, o sussurro se tornou fascinantemente irresistível e ecoou intensamente dentro dele, pois seu íntimo estava completamente vazio." (p. 134) A edição da Lafonte é bem simples, porém pelo seu baixo custo vale à pena. A tradução de Karine Simões é muito boa.
Dostoiévski faz um intenso e truncado estudo psicológico em "O Duplo". Utilizando aqui a figura do "homem do subsolo", arquétipo que seguiria fazendo parte de sua obra literária, o autor narra a vida de um burocrata solitário e psicologicamente frágil. Sua conexão com a realidade parece ser rompida após um evento social traumático, e a partir deste momento ele começa a conviver com seu duplo. A princípio amigos, logo ambos viram inimigos mortais, quando o protagonista se convence que seu novo eu quer tomar sua vida.
O conceito de Doppelgänger (o duplo não biologicamente relacionado) é vastamente utilizado nas artes como um estudo da natureza humana. Ao colocar o ponto de vista narrativo sob a ótica de um personagem não confiável, Dostoiévski convida o leitor a diferentes interpretações: estaria o protagonista entrando numa espiral de dissociação de realidade? Estaria o protagonista sobrepondo sua imagem em outrem numa tentativa de aceitação …
Dostoiévski faz um intenso e truncado estudo psicológico em "O Duplo". Utilizando aqui a figura do "homem do subsolo", arquétipo que seguiria fazendo parte de sua obra literária, o autor narra a vida de um burocrata solitário e psicologicamente frágil. Sua conexão com a realidade parece ser rompida após um evento social traumático, e a partir deste momento ele começa a conviver com seu duplo. A princípio amigos, logo ambos viram inimigos mortais, quando o protagonista se convence que seu novo eu quer tomar sua vida.
O conceito de Doppelgänger (o duplo não biologicamente relacionado) é vastamente utilizado nas artes como um estudo da natureza humana. Ao colocar o ponto de vista narrativo sob a ótica de um personagem não confiável, Dostoiévski convida o leitor a diferentes interpretações: estaria o protagonista entrando numa espiral de dissociação de realidade? Estaria o protagonista sobrepondo sua imagem em outrem numa tentativa de aceitação social? Realmente existiria um duplo, alguém tentando substituí-lo?
Dostoiévski constrói a narrativa com primazia, fazendo uma construção delicada e ao mesmo tempo complexa do protagonista, por meio de discursos e de fluxos de consciência truncados e desconexos, por meio de ações conflituosas e desesperadas. É possível ver também a crítica sutil ao sistema capitalista e aristocrático da Rússia do século XIX, que engole brutalmente o protagonista em sua espiral de loucura. Todas as tentativas do protagonista em ascender social e economicamente são taxativamente frustrada por seus pares, e cada nova tentativa de invasão a espaços da alta sociedade é acompanhada por rejeição, frustração e, consequentemente, dissociação. O fato do duplo parecer se adequar melhor a estes sujeitos e locais, além de fonte de cólera do protagonista, nos faz questionar: que tipo de sociedade é esta que aparenta rejeitar o "original" e aceitar a "cópia"?
A edição da Editora 34 é, indubitavelmente, um primor. A tradução direto da língua russa pelo Dr Paulo Bezerra é espetacular, mantendo a essência do texto original ao mesmo tempo que se preocupa em adaptar transculturalmente a obra. As ilustrações de Alfred Kubin presentes na edição também são lindíssimas e se conectam perfeitamente ao tom da obra.