Chu reviewed Jardins de Kensington by Rodrigo Fresán
"Um dia, seu rifle responde, devolvendo-lhe todo seu amor à queima-roupa."
4 stars
Um Borges pop é um epíteto que cabe bem ao também argentino Rodrigo Fresan. Este é o segundo livro dele que leio e mais uma vez ele prova o total domínio das referências reais e fictícias que escolhe como matéria prima numa narrativa vertiginosa capaz de desconstruir e reconstruir passados, presentes e futuros.
Se em O Fundo do Céu tínhamos como pano de fundo a subcultura da literatura de sci-fi, aqui em Jardins de Kensington os ingredientes são um pouco mais mundanos, mas não menos idealistas e variados: a psicodelia musical, o rock, e a contracultura londrina dos anos 1960 costuradas a uma biografia não oficial de J.M. Barrie e ao seu inesquecível habitante da Terra do Nunca, o para sempre criança, Peter Pan.
Entre os muitos temas do livro se destaca a questão das infâncias perenes, tardias ou roubadas em contraponto a vidas adultas igualmente complicadas, socialmente inadequadas ou …
Um Borges pop é um epíteto que cabe bem ao também argentino Rodrigo Fresan. Este é o segundo livro dele que leio e mais uma vez ele prova o total domínio das referências reais e fictícias que escolhe como matéria prima numa narrativa vertiginosa capaz de desconstruir e reconstruir passados, presentes e futuros.
Se em O Fundo do Céu tínhamos como pano de fundo a subcultura da literatura de sci-fi, aqui em Jardins de Kensington os ingredientes são um pouco mais mundanos, mas não menos idealistas e variados: a psicodelia musical, o rock, e a contracultura londrina dos anos 1960 costuradas a uma biografia não oficial de J.M. Barrie e ao seu inesquecível habitante da Terra do Nunca, o para sempre criança, Peter Pan.
Entre os muitos temas do livro se destaca a questão das infâncias perenes, tardias ou roubadas em contraponto a vidas adultas igualmente complicadas, socialmente inadequadas ou corrompidas e perdidas para mundos midiaticos ficcionais. É um livro sobre crianças que nunca cresceram, sobre adultos que nunca tiveram infância ou que nunca foram adultos de verdade, seja lá o que signifique ser um adulto de verdade. Entrelaçados a tudo isso, outros temas vão se somando, a morte, os amores, a literatura, a rebeldia, a passagem do tempo e até mesmo questões políticas e tecnologicas conforme os anos avançam.
Narrativamente o livro se passa todo em um único dia de 24 horas, com o narrador Peter Hook contando toda a história da sua vida mesclada a de Berrie, aludindo a canção A Day in the Life dos Beatles, talvez a mais complexa e famosa música do álbum experimental Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Uma foto de um instante capaz de audaciosamente capturar o todo de toda uma vida. O próprio narrador admite que isto é um tanto inverossímil, mas da forma como é feita aqui é brilhante, talvez tão brilhante como em Ulisses de James Joyce e ps livros muitas vezes nos permitem esse tipo de trapaça sobrepujando as leis da física sobre tempos e espaços. Peter Hook faz isso para nós e para Keiko Kai, a criança escolhida para interpretar Jin Yuan, personagem infantil dos livros best seller de Hook, nos cinemas e aos poucos vamos compreendendo as suas perturbações e o que levou ate aquele fatídico momento incontornável em que tudo vai mudar para sempre.
É um bom livro, mas também é um pouco maçante de ler. A profusão de referências te faz ficar perdido muitas vezes entre o que é real ou não e a perder o fio condutor do fluxo de consciência do narrador. Também há páginas de um excesso quase enciclopédico discorrendo longamente sobre temas como grandes personalidades da música e do cinema dos anos 1960 ou sobre todas as principais intérpretes de Peter Pan no teatro. Soma-se a isso os inúmeros personagens secundários, sejam os do entorno de Berrie ou os do entorno de Hook, cruciais para se montar o quebra cabeça das biografias intrincadas de coincidências de ambos, ainda que estas vidas distem na linha do tempo por cerca de mais de cinco décadas.