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reviewed A Parábola do Semeador by Octavia E. Butler (Semente da Terra, #1)

Octavia E. Butler: A Parábola do Semeador (Português language, 2018, Morro Branco) 5 stars

Quando uma crise ambiental e econômica leva ao caos social, nem mesmo os bairros murados …

Ficção climática presciente de 30 anos atrás

5 stars

(original, com reprodução de entrevista → sol2070.in/2024/09/livro-parabola-do-semeador-entrevista-octavia-butler/ )

"A Parábola do Semeador" ("Parable of The Sower", 1993) talvez seja o livro mais admirado da estadunidense Octavia Butler. Além dos prêmios que recebeu há 30 anos, voltou a ser muito lido recentemente por ser, além de um ótimo romance, um dos mais vívidos retratos da catástrofe climática — boa parte da história se passa entre 2024 e 2027.

Apesar de não ser leitura fácil, está entre as melhores distopias que já li. O horror dos primeiros anos de um colapso social total devido à emergência climática e ao sistema econômico é chocante a ponto de precisar baixar o livro e respirar de tempos em tempos. Ouvi gente dizendo que não suportou e largou.

É uma predição assustadoramente plausível do que pode acontecer, incluindo até a volta da escravização — a culminação da atual piora constante das condições de trabalho apontaria para onde?

Li nesses dias uma resenha sobre outro livro — "Alerta Vermelho", de Marha Wells (está na minha lista) — em que o autor reclama do cenário de capitalismo distópico como sendo um lugar-comum pouco criativo. Ele parece preferir cenários otimistas, que ajudam a imaginar futuros mais plenos. Já eu gosto de histórias de distopias catastróficas justamente porque abrem os olhos para o presente — sem isso, não teremos a menor chance. O desconforto, ou até angústia, fazem parte. Parece-me um negacionismo sutil querer evitar o desagradável. Além disso, essas histórias retratam como as pessoas lidam com a situação. Acabam sendo bem práticas para o momento atual.

Entretanto, acho sim certa falta de imaginação aquele cenário comum em que, sem governo e polícia, as pessoas passam apenas a predar umas às outras. Isso não falta em A Parábola do Semeador. Mas como é um tempo de transição, em que os valores da civilização sendo destruída ainda não foram substituídos, faz sentido.

Na história, acompanhamos Lauren, uma adolescente com hiperempatia, a capacidade (fictícia) de sentir involuntariamente em seu corpo a dor e prazer de seres próximos. Após a comunidade murada onde vive ser destruída, ela precisa enfrentar a estrada. Ao buscar sentido, seus questionamentos acabam dando forma a uma nova filosofia-religião, em que “Deus = mudança”, ou seja, o único princípio universal é a constante transformação. Por questão de sobrevivência, pessoas vão se reunindo em torno dela, e a compaixão da comunidade que vai se formando acaba sendo uma tocante utopia dentro da distopia.

Octavia Butler disse que escreveu essa história como se fosse a autobiografia (a narração é feita em um diário, que parece reproduzir até os erros de grafia que existiriam em um original do tipo) da fundadora da religião que se disseminou pelo mundo devastado.

"A Parábola do Semeador" é o primeiro volume de uma série interrompida pela morte da autora, em 2006, após o segundo volume, "A Parábola dos Talentos". Entretanto, a história vale por si só, independentemente dos volumes que não chegaram a ser escritos.

@sol2070 sobre uma possibilidade de ficção mais otimista, acho que todo o momento solarpunk precisa ser encarado como formas de sonhar hoje o amanhã que queremos. Um tipo de investigação hipotética de novas formas de fazer as coisas. Acho que tem o seu valor ao lado das distopias!

Não deixam de ser duas formas de chacoalhar as pessoas, uma pelo choque da bruteza, outra por um vislumbre de possibilidades.

@yuribravos Verdade. Solarpunk seria como o lado sim, e distopia, o lado não. Mas acho complicado partir afobadamente para o "sim, vamos ter um futuro maravilhoso", sem muita compreensão sobre o "não, um mero ajuste do modo atual nunca vai funcionar". Do contráŕio, em vez de solarpunk, é puro greenwashing.

@sol2070 de fato hahaha o solarpunk me chamou atenção quando captei que a maior proposta dele com tecnologia é o conserto, o reuso e não-descarte. Pq literalmente é algo que podemos fazer hoje e podemos ainda fazer bem (logo mais quando só as IAs souberem fazer coisas, talvez percamos de vez a capacidade de fazer bem).

Foi quando entendi o apelo de investigar outras formas de fazer para poder se dar conta que são aplicáveis hoje. Entra muito aí a cosmovisão dos povos tradicionais que conseguem enxergar possibilidades que para nós são muitas vezes invisíveis. O Ailton Krenak fala como a micropolítica é também um caminho de mudança: em cada um que abre um piso de cimento para plantar um jardim.

Talvez comece num nível "mero", mas se não começar por algum lugar, nunca chegará em efetiva mudança.

@sol2070 verdades hahaha mas não é só no solarpunk, em qualquer punk a maioria das pessoas não entendem o que o punk quer comunicar, entendem que apenas é uma estética meio "suja", meio "rebelde".

Por isso que ressaltei mais ali em cima que o solarpunk me pegou quando compreendi que o punk da coisa estava voltada ao reúso e ao direito de consertar. Duas coisas muito palpáveis para hoje e que nós somos impedidos, seja pela produção que nunca pode deixar de crescer, seja por ser um direito negado mesmo, via obsolescência programada.

E, realmente, essa parte do solarpunk tende a ser relegada ao último plano.

@[email protected] Ótima resenha! Livro com temática bem relevante na atualidade. Também li a entrevista do blog, obrigado por transcrevê-la.

gosto de histórias de distopias catastróficas justamente porque abrem os olhos para o presente — sem isso, não teremos a menor chance. O desconforto, ou até angústia, fazem parte. Parece-me um negacionismo sutil querer evitar o desagradável.

Concordo. Um amigo, depois assistir alguns episódios de Black Mirror, veio me dizer que a série o fazia ficar "pensando" (nesse sentido desagradável, ele queria dizer). Na ocasião, não quis confrontá-lo. Mas é isso: qualquer coisa que provoca reflexão ou mudança causa esse atrito.