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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

“A crueza e a feiura da vida europeia moderna” — aquela vida real cujo contato nós deveríamos acolher — “é o sinal de uma inferioridade biológica, de uma reação insuficiente ou falsa ao ambiente.”[65] O mais louco castelo que jamais saiu da bolsa de um gigante numa estória gaélica selvagem é não apenas muito menos feio que uma fábrica robotizada; ele também é (para usar uma frase muito moderna), “num sentido muito real”, um bocado mais real. Por que não deveríamos escapar disso ou condenar o absurdo “sombrio e assírio” das cartolas ou o horror morlockiano das fábricas? Eles são condenados até pelos autores daquela forma mais escapista em toda a literatura, as estórias de ficção científica. Esses profetas frequentemente predizem (e muitos parecem ansiar por) um mundo semelhante a uma grande estação de trem com teto de vidro. Mas deles, via de regra, é muito difícil arrancar o que os homens em tal cidade-mundo vão fazer. Eles podem abandonar a “panóplia vitoriana completa” em favor de trajes largos (com zíperes), mas usarão essa liberdade principalmente, parece, para brincar com brinquedos mecânicos no jogo facilmente entediante de se movimentar em alta velocidade. A julgar por algumas dessa estórias, eles ainda serão tão cheios de luxúria, vingativos e gananciosos como sempre; e os ideais de seus idealistas dificilmente irão além da esplêndida noção de construir mais cidades do mesmo tipo em outros planetas. É, de fato, uma era de “meios melhorados para fins deteriorados”. É parte da moléstia essencial de tais dias — produzindo o desejo de escapar, não realmente da vida, mas da nossa presente época e autoimposta desgraça — que nós estejamos agudamente conscientes tanto da feiura de nossas obras como de seu mal. De forma que para nós o mal e a feiura parecem indissoluvelmente ligados. Achamos difícil conceber o mal e a beleza juntos. O medo da bela fada que perpassou as eras mais antigas quase escapa à nossa percepção. Em Feéria pode-se, de fato, conceber um ogro que possui um castelo horrendo como um pesadelo (pois o mal do ogro o quer assim), mas não se pode conceber uma casa construída com um bom propósito — uma estalagem, um albergue para viajantes, o salão de um rei virtuoso e nobre — que ainda assim seja repulsivamente feia. No momento presente, seria temerário esperar ver uma que não o fosse — a menos que tenha sido construída antes do nosso tempo. Esse, entretanto, é o aspecto “escapista” moderno e especial (ou acidental) das estórias de fadas, que elas compartilham com romances e com outras estórias do ou sobre o passado. Muitas estórias sobre o passado só se tornaram “escapistas” em seu apelo por sobreviverem de uma época em que os homens estavam, via de regra, deliciados com a obra de suas mãos, até nosso tempo, quando muitos homens sentem desgosto a respeito de coisas feitas pelo homem. Mas há também outros e mais profundos “escapismos” que sempre apareceram nos contos de fadas e na lenda. Há outras coisas mais sombrias e terríveis das quais fugir do que o barulho, o fedor, a crueldade e a extravagância do motor de combustão interna. Há fome, sede, pobreza, dor, tristeza, injustiça, morte. E, mesmo quando os homens não estão enfrentando coisas duras como essas, há antigas limitações para as quais as estórias de fadas oferecem um tipo de escape, e velhas ambições e desejos (tocando as próprias raízes da fantasia) para as quais elas oferecem uma espécie de satisfação e consolação. Algumas são fraquezas ou curiosidades perdoáveis: tais como o desejo de visitar, livre como um peixe, o mar profundo; ou o anseio pelo voo silencioso, gracioso, econômico de um pássaro, aquele anseio que o aeroplano frustra, exceto em raros momentos, visto no alto e por vento e pela distância silencioso, virando ao sol: isto é, precisamente quando imaginado, e não usado. Há desejos mais profundos: tais como o desejo de conversar com outras coisas vivas. Sobre esse desejo, tão antigo quanto a Queda, está largamente fundamentada a fala de animais e criaturas nos contos de fadas e especialmente a compreensão mágica de sua língua correta. Essa é a raiz de tais estórias, e não a “confusão” atribuída às mentes dos homens do passado não registrado, uma suposta “falta do senso de separação entre nós mesmos e os animais”.[66] Um senso vívido dessa separação é muito antigo; mas também o senso de que foi um rompimento: um fado estranho e uma culpa jazem sobre nós. Outras criaturas são como outros reinos com os quais o Homem rompeu relações e vê agora, somente de fora, a distância, estando em guerra com eles ou nos termos de um armistício desconfortável. Há uns poucos homens que têm o privilégio de viajar para fora um pouco; outros têm de ficar contentes com estórias de viajantes. Mesmo as que versam sobre sapos. Ao falar daquela estória de fadas bastante esquisita, mas bastante distribuída, O Rei Sapo, Max Müller perguntou de seu jeito direto: “Como é que tal estória jamais chegou a ser inventada? Os seres humanos, podemos esperar, foram em todas as épocas suficientemente educados para saber que um casamento entre um sapo e a filha de uma rainha era absurdo”. De fato, podemos esperar que sim! Pois, se não fosse assim, não haveria propósito na estória de forma alguma, dependendo, como ela depende, essencialmente do senso de absurdo. Origens folclóricas (ou suposições sobre elas) estão aqui totalmente fora de lugar. É de pouca valia considerar o totemismo. Pois, certamente, quaisquer que sejam os costumes ou crenças sobre sapos e poços que existam por trás dessa estória, a forma de sapo foi é preservada nessa estória de fadas[67] precisamente porque era tão esquisita, e o casamento, absurdo, de fato, abominável. Embora, é claro, nas versões que nos dizem respeito, gaélicas, alemãs e inglesas,[68] não haja realmente um casamento entre uma princesa e um sapo: o sapo era um príncipe encantado. E o propósito da estória não é achar que sapos são possíveis consortes, mas a necessidade de manter promessas (mesmo aquelas com consequências intoleráveis), algo que, junto com a observância de proibições, perpassa toda a Terra das Fadas. Essa é uma das notas das trompas da Terra dos Elfos, e não é uma nota difícil de ouvir.

Árvore e folha by 

J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

Não muito tempo atrás — por incrível que isso possa parecer — ouvi um lente de Oxenford[63] declarar que ele “acolhia” a proximidade de fábricas-robôs de produção em massa e o rugido do trânsito mecânico auto-obstrutivo, porque isso colocava sua universidade em “contato com a vida real”. Ele poderia estar querendo dizer que a maneira como os homens estavam vivendo e trabalhando no século XX estava aumentando em barbárie num ritmo alarmante e que a demonstração barulhenta disso nas ruas de Oxford poderia servir como um aviso de que não é possível preservar, por muito tempo, um oásis de sanidade num deserto de desrazão com meras cercas, sem verdadeira ação ofensiva (prática e intelectual). Temo que ele não tenha dito isso. De qualquer modo, a expressão “vida real” nesse contexto parece ficar aquém dos padrões acadêmicos. A noção de que carros motorizados sejam mais “vivos” do que, digamos, centauros ou dragões é curiosa; a de que eles sejam mais reais do que, digamos, cavalos é pateticamente absurda. Quão real, quão impressionantemente viva é uma chaminé de fábrica comparada a um olmo: pobre coisa obsoleta, sonho insubstancial de um escapista! De minha parte, não consigo me convencer de que o teto da estação Bletchley seja mais “real” que as nuvens. E, como um artefato, eu o acho menos inspirador que o legendário domo do céu. A ponte para a plataforma 4 é, para mim, menos interessante que Bifröst, guardada por Heimdall com o Gjallarhorn.[64] Da selvageria de meu coração eu não consigo excluir a questão de saber se os engenheiros ferroviários, se tivessem sido criados com mais fantasia, não poderiam ter feito melhor com todos os seus meios abundantes do que eles geralmente fazem. Estórias de fadas poderiam ser, acho, melhores Mestres em Artes do que o sujeito acadêmico a quem me referi. Muito do que ele (devo supor) e outros (certamente) chamariam de literatura “séria” não é mais do que brincar debaixo de um teto de vidro ao lado de uma piscina municipal. Estórias de fadas podem inventar monstros que voam no ar ou habitam as profundezas, mas, pelo menos, elas não tentam escapar do céu ou do mar.

Árvore e folha by 

J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

Afirmei que o Escape é uma das principais funções das estórias de fadas e, uma vez que não as desaprovo, está claro que não aceito o tom de escárnio e pena com o qual o termo “Escape” é agora tão frequentemente usado: um tom para o qual os usos da palavra fora da crítica literária não conferem garantia em absoluto. No que os maus usuários do termo gostam de chamar de Vida Real, o Escape é evidentemente, via de regra, muito prático e pode mesmo ser heroico. Na vida real, é difícil culpá-lo, a menos que fracasse; na crítica, ele parece ser pior quanto melhor se dá. Evidentemente estamos confrontados com um mau uso de palavras e também com uma confusão de pensamento. Por que dever-se-ia escarnecer de um homem se, achando-se na prisão, ele tenta sair e ir para casa? Ou se, quando ele não pode fazê-lo, pensa e fala de outros temas que não carcereiros e paredes de prisão? O mundo lá fora não se tornou menos real porque o prisioneiro não consegue vê-lo. Ao usar “escape” dessa maneira, os críticos escolheram a palavra errada e, além do mais, estão confundindo, nem sempre por erro sincero, o Escape do Prisioneiro com a Fuga do Desertor. Bem assim um porta-voz do Partido poderia ter rotulado de traição a partida da miséria do Reich do Führer, ou de qualquer outro Reich, ou mesmo a crítica contra ele. Da mesma maneira, esses críticos, para tornar a confusão pior e assim levar ao desprezo os seus oponentes, colam seu rótulo de escárnio não apenas na Deserção, mas no Escape real e no que frequentemente são seus companheiros: Desgosto, Raiva, Condenação e Revolta. Não apenas confundem o escape do prisioneiro com a fuga do desertor, mas parecem preferir a aquiescência do “colaboracionista” à resistência do patriota. Diante de tal pensamento, você só precisa dizer “a terra que você amou está condenada” para desculpar qualquer traição, de fato, para glorificá-la.

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J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

A Fantasia é uma atividade natural humana. Ela certamente não destrói ou mesmo insulta a Razão; e não torna menos aguçado o apetite pela verdade científica, nem obscurece a percepção dela. Ao contrário. Quanto mais aguçada e clara a razão, melhor fantasia fará. Se os homens estivessem sempre num estado em que não quisessem conhecer ou não pudessem perceber a verdade (fatos ou evidências), então a Fantasia minguaria até que eles ficassem curados. Se alguma vez entrarem nesse estado (não pareceria de forma alguma impossível), a Fantasia perecerá, e tornar-se-á Desilusão Mórbida. Pois a Fantasia criativa está fundada sobre o reconhecimento duro de que as coisas são assim no mundo como ele aparece sob o sol; num reconhecimento desse fato, mas não numa escravidão a ele. Do mesmo modo, era sobre a lógica que se fundava o disparate que se mostra nos contos e versos de Lewis Carroll. Se os homens realmente não conseguissem distinguir entre sapos e seres humanos, estórias de fadas sobre reis-sapos não teriam surgido. A Fantasia pode, é claro, ser levada ao excesso. Pode ser feita de modo errado. Pode ser posta a serviço de fins maus. Pode mesmo iludir as mentes das quais veio. Mas de que coisa humana neste mundo caído isso não é verdade? Os homens conceberam não apenas elfos, mas imaginaram deuses e os adoraram, adoraram mesmo aqueles mais deformados pelo próprio mal de seus autores. Mas eles fizeram falsos deuses com outros materiais: suas nações, suas bandeiras, seus dinheiros; até suas ciências e suas teorias sociais e econômicas já exigiram sacrifício humano. Abusus non tollit usum.[60] A Fantasia continua a ser um direito humano; criamos, na nossa medida e ao nosso modo derivativo, porque fomos criados; e não apenas criados, mas criados à imagem e semelhança de um Criador.

Árvore e folha by 

J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

Qualquer um que tenha herdado o aparato fantástico da linguagem humana pode dizer o sol verde. Muitos podem então imaginá-lo ou pintá-lo. Mas isso não é suficiente — embora já possa ser uma coisa mais potente do que muito “rascunho em miniatura” ou “transcrição da vida” que recebe elogios literários. Criar um Mundo Secundário dentro do qual o sol verde seja crível, compelindo a Crença Secundária, provavelmente vai requerer labor e pensamento e, certamente, vai exigir uma perícia especial, um tipo de engenho élfico. Poucos tentam tais tarefas difíceis. Mas, quando elas são tentadas e, em qualquer grau, completadas, então temos uma rara realização da Arte: de fato, arte narrativa, criação de estórias, em seu modo primário e mais potente.

Árvore e folha by 

J. R. R. Tolkien: Árvore e folha (Portuguese language, HarperCollins) No rating

Apesar de ser universalmente conhecido pelo seu magnum opus, O Senhor dos Anéis, J.R.R. Tolkien …

As crianças são capazes, é claro, de crença literária, quando a arte do criador de estórias é boa o suficiente para produzi-la. Esse estado da mente tem sido chamado de “suspensão voluntária da descrença”. Mas isso não me parece uma boa descrição do que acontece. O que realmente acontece é que o criador de estórias mostra ser um “subcriador” bem-sucedido. Ele cria um Mundo Secundário que a sua mente pode adentrar. Dentro dele, o que relata é “verdadeiro”, está de acordo com as leis daquele mundo. Você, portanto, acredita, enquanto está, de certa forma, ali dentro. No momento em que a descrença surge, o feitiço se quebra; a magia, ou melhor, a arte, falhou. Você, então, sai para o Mundo Primário de novo, olhando para o pequeno e abortivo Mundo Secundário do lado de fora. Se você for obrigado, por bondade ou circunstância, a ficar, então a descrença tem de ser suspensa (ou abafada); do contrário, ouvir e olhar se tornariam intoleráveis. Mas essa suspensão da descrença é um substituto da coisa genuína, um subterfúgio que usamos quando condescendemos a jogos ou faz de conta ou quando tentamos (mais ou menos, voluntariamente) achar a virtude que pudermos numa obra de arte que, para nós, fracassou. Um verdadeiro entusiasta do críquete está no estado encantado: Crença Secundária. Eu, quando vejo uma partida, estou no nível inferior. Consigo atingir uma suspensão voluntária da descrença, quando estou preso lá e apoiado por algum outro motivo que mantenha o tédio a distância: por exemplo, uma preferência selvagem, heráldica, por azul-escuro em vez de azul-claro. Essa suspensão da descrença pode, assim, ser um estado algo cansado, desmazelado ou sentimental da mente e, portanto, inclinar-se para o “adulto”. Imagino que esse seja frequentemente o estado dos adultos na presença de uma estória de fadas. Eles são mantidos ali e apoiados por sentimentos (memórias da infância, ou noções de como a infância deveria ser); acham que deveriam gostar da estória. Mas, se realmente gostassem dela, por si mesma, não teriam de suspender a descrença: eles acreditariam — nesse sentido.

Árvore e folha by 

Aqui Tolkien pega o conceito de "Circulo Magico" do Huizinga e transfere para a literatura. Interessante.

Terry Pratchett: A Luz Fantástica (Portuguese language, Conrad) No rating

Em A Luz Fantástica, Pratchett continua a mostrar as andanças de Rincewind, um mago picareta …

Pois bem, nessas horas, existe uma tendência de olharmos a garota da capa de alguma revista e nos entregarmos a detalhes sobre couro, botas que chegam à altura da coxa e facas afiadas. Palavras como “farta”, “roliça” e mesmo “ousada” se infiltram na narrativa, até o escritor ter que ir tomar um banho frio e se deitar. O que é uma grande besteira, porque nenhuma mulher que se proponha a ganhar a vida com a espada vai andar por aí parecendo capa do mais avançado catálogo de lingerie para especialistas.

A Luz Fantástica by  (Discworld Vol. 2)

Terry Pratchett: A Luz Fantástica (Portuguese language, Conrad) No rating

Em A Luz Fantástica, Pratchett continua a mostrar as andanças de Rincewind, um mago picareta …

A Universidade Invisível jamais admitira mulheres, alegando qualquer coisa sobre problemas com o encanamento, mas o verdadeiro motivo era um temor tácito de que, se as mulheres pudessem se meter a feiticeiras, era provável que acabassem sendo constrangedoramente boas no negócio...

A Luz Fantástica by  (Discworld Vol. 2)