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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

Não é fácil traduzir nos termos da cultura jurídica ocidental a relação dos povos indígenas com suas terras, especialmente por meio do conceito de direito de propriedade. Dentre outras, essa é uma razão por que a Constituição de 1988 não confere aos indígenas a propriedade sobre essas terras. Ainda assim, é possível afirmar que elas pertencem aos indígenas, mesmo que sua propriedade esteja nas mãos da União. O que é crucial nesse âmbito é o reconhecimento de que a posse é permanente e que os indígenas têm usufruto exclusivo sobre elas, incluindo as riquezas do solo, os rios e os lagos.

A competência para demarcar as terras mencionadas no art. 231 é da União. Um dos pontos mais controversos nesse âmbito é o significado da expressão "terras tradicionalmente ocupadas", utilizada tanto no art. 231, § 1º, quanto no art. 20, X1. A realização do direito dos indígenas à terra depende em grande medida de uma definição sobre o significado dessa expressão. Na medida em que não é possível entendê-la como uma referência a uma ocupação imemorial, anterior à chegada dos portugueses, é necessário recorrer a outros critérios. Na decisão do caso Raposa Serra do Sol, o Supremo Tribunal Federal entendeu que "terras tradicionalmente ocupadas" significa "terras ocupadas em 5 de outubro de 1988. Segundo esse cri tério, as terras que devem ser consideradas como tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas que eram ocupadas no dia da promulgação da Constituição, E apenas essas terras podem ser demarcadas como pertencentes as comunidades indígenas. O relator da decisão recorreu a uma metáfora, segundo a qual o critério temporal funcionaria como uma "radiografia" da ocupação de terras por indígenas, feita em 5 de outubro de 1988, e essa "radiografia" deveria ser considerada como o critério definitivo para a demarcação de terras. Desde então, o STF tem tomado decisões baseadas nesse critério, chamado de marco temporal, e anulado demarcações feitas pela União

O critério do marco temporal de 5 de outubro de 1988 é problemático por pelo menos quatro razões: (1) porque a Constituição não prevê a utilização desse critério; (2) porque o fato de que uma comunidade indígena tenha ocupado uma terra naquela data não significa que a tenha tradicionalmente ocupado; é possível que essa comunidade tenha tradicionalmente ocupado outras terras e tenha sido forçada a deslocar-se para um local distinto, onde se encontrava em 5 de outubro de 1988; (3) porque, se a Constituição de 1988 pode ser considerada um momento de inflexão no tratamento dos direitos indígenas, uma "radiografia" feita na data de sua promulgação reflete o passado, e esse passado muitas vezes significou deslocamentos forçados (patrocinados oficialmente pelo Estado brasileiro ou por grandes proprietários de terra e garimpeiros); e, em consequência, (4) porque fazer uma "radiografia" do passado para definir demarcações no presente e no futuro é simplesmente incompatível com uma constituição que pretende transformar a realidade, não manter o status quo.

A despeito disso, o STF argumenta que apenas uma exceção ao marco temporal de 5 de outubro 1988 seria aceitável: se uma comunidade indígena tiver sido forçada a se deslocar antes dessa data, mas tivesse resistido e continuasse a resistir quando da promulgação da Constituição. Mas, para que essa exceção seja aceita, a comunidade indígena teria que demonstrar a resistência, seja por meio de evidências factuais, seja por meio de ajuizamento de ação judicial antes daquela data e que estivesse pendente quando da promulgação da Constituição.

Contra essa interpretação majoritária do STF, há quem argumente que não é razoável exigir que a demonstração da existência de um conflito sobre terras indígenas dependa de ajuizamento de ação judicial, porque isso implicaria "interpretar o comportamento das comunidades indígenas à luz dos nossos costumes e instituições e que o critério do marco temporal, definido na decisão de mérito no caso Raposa Serra do Sol, não deve ser considerado um critério universal a ser replicado em todos os casos e controvérsias".

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 343 - 345)

quoted Palavras de Radiância by Brandon Sanderson (Os Relatos da Guerra das Tempestades, #2)

Brandon Sanderson: Palavras de Radiância (Paperback, Português language, 2023, Trama) No rating

Do autor Brandon Senderson best-seller nº 1 do New York Times, chega agora a tão …

Aquela porta era tão bonita que tinha que pertencer a um imperador. Só gente muito rica construía portas chiques. Era preciso ter dinheiro saindo pelas orelhas para gastá-lo em uma porta.

Palavras de Radiância by  (Os Relatos da Guerra das Tempestades, #2)

quoted Palavras de Radiância by Brandon Sanderson (Os Relatos da Guerra das Tempestades, #2)

Brandon Sanderson: Palavras de Radiância (Paperback, Português language, 2023, Trama) No rating

Do autor Brandon Senderson best-seller nº 1 do New York Times, chega agora a tão …

Ela ergueu os olhos. O corredor era alto; pessoas ricas gostavam de coisas altas. Se fossem pobres, teriam construído outro andar ali em cima para suas tias e primos morarem. Em vez disso, pessoas ricas desperdiçavam espaço; provavam que tinham tanto dinheiro que podiam desperdiçá-lo.

Palavras de Radiância by  (Os Relatos da Guerra das Tempestades, #2)

Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

18.4 AÇÃO POPULAR

O art. 5, LXXII, da Constituição prevê que "qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimonio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimonio histórico e cultural [...]". O objetivo da ação popular é oferecer um mecanismo de controle popular da atividade estatal em alguns âmbitos, sempre que essa atividade seja lesiva aos bens e valores mencionados no art 5 LXXIIL

Tanto quanto o mandado de segurança, a ação popular foi criada pela Constituição de 1934 (art. 113, 38), embora naquele momento ela ainda não tivesse esse nome. A Constituição de 1937 não previu ação semelhante. A Constituição de 1946 recriou a ação popular e as constituições seguintes mantiveram essa tradição. O nome ação popular, contudo, foi criado apenas em 1965, pela lei 4.717/1965, que até hoje regula o seu procedimento.

Diferentemente do que ocorre com os outros remédios constitucionais, cuja legitimidade para propositura é ampla, a Constituição utiliza um termo específico para definir a legitimidade para propor ação popular. Ela prevê que "qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular. No direito constitucional, os termos cidadão ou cidadã têm um significado mais limitado do que o uso corrente dessas palavras pode sugerir. Cidadãos e cidadãs são aqueles que estão no pleno gozo dos direitos políticos ativos, ou seja, aqueles e aquelas registrados como eleitores e que estejam em dia com suas obrigações eleitorais (votar em todas as eleições ou justificar eventual ausência) Assim, alguém que tenha 17 anos de idade, mas não se alistou como eleitora ou eleitor (porque nessa idade o voto ainda é facultativo), não pode propor ação popular. Alguém que tenha 16 anos, e esteja alistado como eleitor ou eleitora, pode. Tampouco podem propor ação popular aquelas e aqueles que tiverem seus direitos políticos suspensos, nos termos do art. 15 da Constituição"

Embora de forma não explicita, a exigência de cidadania para propor ação popular estabelece uma exceção à regra geral do caput do art. 5", segundo o qual os direitos e garantias individuais são garantidos aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais. O direito de propor ação popular não é garantido a estrangeiros, residentes no Brasil ou não.

A ação popular tem sido utilizada em diversos contextos e situações e seus efeitos são tão heterogêneos quanto esses contextos e situações. O fato de abrir uma porta para um controle popular sobre as atividades da administração e do governo faz com que alguns vejam na ação popular uma forma de democracia direta. Mas essa conclusão merece ser relativizada, porque o controle que a ação popular possibilita depende da mediação daquele que, dentre os poderes estatais, carece de legitimidade popular, o Poder Judiciário.

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 329 - 330)

Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

18.2 HABEAS DATA

O habeas data é uma criação da Constituição de 1988 e posteriormente se espalhou, ainda que não necessariamente com esse nome, para diversos países da América Latina, como Argentina (Constituição da Argentina, art. 43), Paraguai (Constituição do Paraguai, art. 135), e Peru (Constituição do Peru, art. 200, 3).

Segundo o art. 5°, LXXII, o habeas data será concedido (a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; e (b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo.

O procedimento do habeas data é regulado pela lei 9.507/1997, a qual exige que, antes da propositura da ação, o interessado deve ter procurado obter as informações desejadas ou sua correção pela via administrativa, já que o art. 8°, parágrafo único, 1 a 11, dessa lei estabelece que a petição inicial deverá ser instruída com prova (1) da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; (11) da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou (It) da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2º do art. 4 da lei ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.

A criação do habeas data é um dos mais claros exemplos de norma constitucional que diretamente reage a abusos cometidos pelo regime autoritário (1964--1985), nesse caso, à coleta indiscriminada e incontrolada de informações pessoais de supostos "inimigos do regime". Por ser uma reação direta a um tipo de abuso cometido em momento histórico determinado, não é surpresa que, após décadas de promulgação da Constituição de 1988, a importância do habeas data tenha arrefecido. Atualmente, ao menos no Brasil, quem mais coleta dados pessoais de forma indiscriminada e incontrolada não são agentes estatais, mas privados, especialmente grandes corporações. A ubiquidade da internet marca um momento de inflexão na relevância da proteção de dados pessoais, especialmente devido ao uso disseminado de coleta automatizada desses dados. O habeas data não parece ser o meio adequado para lidar com essa realidade, porque ainda está ligado a um conceito anacrônico de coleta e processamento de dados e porque não é dinâmico o suficiente para lidar com a quantidade de dados que atualmente é coletada eletronicamente. Além disso, e talvez ainda mais relevante, é importante ressaltar que nem a Constituição nem a lei 9.507/1997 preveem a possibilidade de apagar informações pessoais armazenadas em bancos de dados. Ambas parecem partir do pressuposto de que coletar dados, em si, não é um problema, e que os problemas apenas surgem se as informações forem equivocadas ou falsas, caso em que poderão ser retificadas. Esse é um argumento adicional pela inadequação do habeas data para lidar com os desafios atuais da coleta de dados, já que anualmente o que muitas vezes se questiona não e a correção ou veracidade de uma determinada informação, mas a própria coleta e armazenamento (sem mencionar o seu compartilhamento ou venda para terceiros).

Por fim, ainda que o art. 1", parágrafo único, da lei 9.507/1997, tenha amplia do o conceito de banco de dados público, é questionável se o habeas data poderia ser utilizado como meio para obter informações armazenadas em bancos de dados de entidades inteiramente privadas. O fato de que muitas delas nem mesmo tem sede ou representação no Brasil apenas fortalece o argumento segundo o qual o habeas data não é adequado para lidar com as formas contemporâneas de coleta, armazenamento e compartilhamento de dados pessoais.

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 325 - 326)

Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

18.1 HABEAS CORPUS

O habeas corpus é o remédio constitucional mais antigo do Brasil. Foi introduzido pelo Código de Processo Criminal de 1832, cujo art. 340 previa que todo cidadão poderia pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor ou em favor de terceiro nos casos de prisão ou constrangimento ilegal. Seu escopo foi ampliado em 1871. quando a lei 2.033/1871 estabeleceu que não apenas a prisão ou o constrangimento ilegal, mas a simples ameaça de ambos poderia justificar a concessão da ordem de habeas corpus (lei 2.033/1871, art. 18, § 1º).

Em 1891, ele passou a ter status constitucional, com o seu reconhecimento no art. 72, § 22 da Constituição de 1891. Esse artigo, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nas primeiras décadas do século XX, foram responsáveis por outra considerável ampliação no escopo do habeas corpus, a qual, posteriormente, acabou desaguando na criação do mandado de segurança.

O art. 72, § 22, da redação original da Constituição de 1891 estabelecia que seria concedida a ordem de habeas corpus "sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder". Como se percebe, ao contrário do que faziam tanto o Código de Processo Criminal de 1832 quanto a lei 2.033/1871, a Constituição de 1891 não limitava o habeas corpus aos casos de prisão ou constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. O art. 72, § 22, fazia referência apenas a "violência ou coação", sem qualificativos que a limitassem à liberdade de locomoção.

Com base nessa redação, o STF criou aquilo que, posteriormente, passou a ser chamado de doutrina brasileira do habeas corpus. Segundo essa doutrina, o habeas corpus poderia ser usado como remédio contra quase toda e qualquer violação de direitos protegidos constitucionalmente'. Como reação a essa ampliação, a reforma constitucional de 1926 emendou o art. 72, § 22, da Constituição de 1891. A nova redação, que foi reproduzida de forma muito semelhante em todas as constituições brasileiras posteriores, passou a ser a seguinte: "Dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção". A Constituição de 1988 manteve essa tradição. O art. 5º, LXVIII, tem redação muito semelhante: "conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

Por ser um instrumento fundamental na proteção da liberdade individual, a possibilidade de concessão de habeas corpus foi frequentemente limitada ao longo da história do Brasil, seja durante a vigência de estados de sítio durante a Primeira República, seja durante a vigência do estado de guerra no Estado Novo, seja por força de atos institucionais, como o A1-5 (1968), ao longo do regime autoritário (1964-1985).

Além dessa tensão entre a existência de um remédio como o habeas corpus e a sua recorrente suspensão no passado, outra tensão, atual, deve ser mencionada. Embora desde 1988 o habeas corpus nunca tenha sido suspenso, há uma tensão crescente entre seus objetivos - coibir prisões ilegais e a realidade brasileira. Como já foi mencionado, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos e da China) e mais de um terço dessa população é composta por presos provisórios, muitos dos quais deveriam estar em liberdade, por não haver razões concretas para mantê-los na prisão. Além disso, por causa da ineficiência dos sistemas prisional e de justiça, muitas pessoas continuam na prisão mesmo depois de cumprida a pena. Mutirões carcerários, coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça, com o objetivo de inspecionar as unidades do sistema prisional brasileiro, constataram que dezenas de milhares de pessoas permaneciam presas embora já houvessem cumprido suas penas'. Assim, a previsão constitucional e legal do habeas corpus não tem produzido os efeitos que deveria produzir. Para muitos daqueles que permanecem ilegalmente presos, as chances de liberdade parecem ser maiores em decorrência de mutirões do Conselho Nacional de Justiçado que pela via judicial.

O procedimento do habeas corpus é regulado pelo Código de Processo Penal, nos arts. 647 a 667. O art. 648, 1 a vn, define o que deve ser considerado coerção ilegal contra a liberdade de locomoção: (1) quando não houver justa causa; (11) quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; (m) quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; (iv) quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; (v) quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; (vi) quando o processo for manifestamente nulo; ou (vit) quando extinta a punibilidade.

O ajuizamento do habeas corpus é gratuito (art. 5º, LXXVII) e pode ser feito por qualquer pessoa, em seu nome ou em nome de terceiro (Código de Processo Penal, art. 654). Deve ser também ser concedido de oficio, ou seja, sem que seja pedido, sempre que uma juíza ou juiz verificar, no curso de um processo, que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal (Código de Processo Penal, art. 654, § 2°). O habeas corpus não é cabível em relação a punições disciplinares militares (Constituição, art. 142, § 2º).

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 323 - 325)

Virgílio Afonso Da Silva: Direito Constitucional Brasileiro (Paperback, Português language, 2021, Edusp Livraria) No rating

Neste livro, Virgílio Afonso da Silva propõe apresentar a estudantes de graduação ideias e conceitos …

Sucessão e inelegibilidade. Suponha que, em 2004, João e Joana tenham sido eleitos prefeito e vice-prefeita de um município para o período 2005-2008. Em 2006, ou seja, no curso do mandato, João morre e Joana o sucede. Em 2008, Joana candidata-se à prefeitura e é eleita. Em 2012, pretende candidatar-se mais uma vez. Ela alega que foi eleita prefeita uma única vez, em 2008, já que em 2004 ela havia sido eleita vice-prefeita. Esse é un caso óbvio de inelegibilidade, já que Joana sucedeu João durante o período 2005-2008 e, portanto, só poderia ser eleita prefeita "para um único período subsequente", o que já ocorreu para o período 2009-2012 Substituição e inelegibilidade. Suponha que, em 2004. Josefa e José tenham sido

eleitos prefeita e vice-prefeito de um município para o período 2005-2008. Ao longo de todo o mandato, por razões de saúde, Josefa teve que ser substituída diversas vezes por José. Em 2008, José candidata-se à prefeitura e é eleito. Em 2012, pretende candidatar-se mais uma vez. Ele alega não apenas que foi eleito prefeito uma única vez, em 2008, já que, em 2004, ele havia sido eleito apenas vice-prefeito; ele alega também que, no período de 2005 a 2008, não sucedeu Joana e, portanto, nunca exerceu o cargo de prefeito, tendo desempenhado apenas a função de "prefeito em exercício em diversos momentos. No entanto, a redação do art. 14. § 5º, não faz essa distinção. A regra trata de forma idêntica tanto quem sucede quanto quem substitui por apenas um único dia. Esse também parece ser um caso óbvio de inelegibilidade, já que José substituiu Josefa várias vezes durante o período 2005-2008 e, portanto, só poderia ser eleito prefeito "para um único período subsequente", o que já ocorreu para o período 2009-2012.

Mas suponha uma terceira situação: em 2004, Francisca e Francisco foram eleitos prefeita e vice-prefeito de um município para o período 2005-2008. Em 2006, ou seja, no curso do mandato, Francisca morre e Francisco a sucede. Em 2008, Francisco volta a se candidatar a vice-prefeito, agora na chapa de Pedro. Em 2010, Pedro morre e Francisco o sucede. Em 2012, Francisco decide candidatar-se a prefeito. A justiça eleitoral considera Francisco inelegível, porque, embora ele nunca tenha sido eleito prefeito antes (ele sempre se candidatou a vice-prefeito), ainda assim assumiu a prefeitura nos dois períodos anteriores, ao suceder os titulares do cargo; por isso, não pode se candidatar a um terceiro período. Se sucessão deve ser equiparada ao exercício de um mandato completo, então Francisco é inelegível.

Mas, como também já foi visto, para fins de inelegibilidade, o art. 14, § 5", não diferencia sucessão de substituição. Então suponha um quarto caso. Em 2004, Antônia e Antônio foram eleitos prefeita e vice-prefeito, para o período 2005-2008. Ao longo de todo o mandato, por razões de saúde e por várias vezes, Antônia teve que ser substituída por Antônio. Em 2008, Antônia e Antônio são eleitos uma segunda vez, para prefeita e vice-prefeito. Em 2010, Antônia morre e Antônio a sucede. Em 2012, Antônio pretende se candidatar a prefeito. Se, para fins de inelegibilidade. sucessão e substituição têm o mesmo efeito, esse caso deveria ser tratado de forma idêntica ao caso anterior. Naquele, duas sucessões, em dois períodos, implicaram a inelegibilidade para um terceiro período; neste, uma substituição e uma sucessão, em dois períodos, também deveriam implicar a inelegibilidade. Como exposto an tes, para fins de inelegibilidade, não apenas a sucessão, mas também a substituição é equiparada ao exercício de um mandato completo, nos termos do art. 14, § 5". Essa interpretação parece ser incontornável e o STF às vezes dá mostras de que também a aceita, quando afirma, por exemplo, que "para o fim de permitir-se a reeleição, à situação dos titulares do Executivo são equiparadas não apenas a de quem 'os houver sucedido', mas também a de quem 'os houver (...) substituído no curso do mandato", Contudo, em caso idêntico à quarta situação hipotética descrita aqui, mas envolvendo governador e vice-governador de estado, o tribunal decidiu que, embora o vice tenha substituído o governador por várias vezes no primeiro período, "somente quando sucedeu o titular [no segundo período) é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo" e, portanto, pôde reeleger-se ao cargo de governador. Nessa decisão, como se percebe, o STF indevidamente distinguiu substituição de sucessão para fins de decidir sobre inelegibilidade, distinção essa que não é feita pela Constituição.

Direito Constitucional Brasileiro by  (Page 301 - 303)

Cezar A. Mortari: Introdução à Lógica (Paperback, Português language, 2017, Editora Unesp) No rating

Ao contrário do que pensam alguns, a lógica é uma ciência apaixonante e viva, fruto …

9.2 Proposições categóricas

No restante deste capítulo, vamos ver alguns exemplos mais complicados de como traduzir, para a linguagem do CQC, sentenças que envolvem quantificação. Alguns desses exemplos, clássicos na história da lógica, dizem respeito às proposições (ou sentenças) categóricas, da teoria do silogismo de Aristóteles. As proposições categóricas são aquelas que correspondem a uma das quatro formas básicas seguintes:

Todo A é B (universal afirmativa)
Nenhum A é B (universal negativa)
Algum A é B (particular afirmativa)
Algum A não é B (particular negativa)

em que as letras A e B funcionam como variáveis para expressões que especificam classes ou propriedades, como ‘homem’, ‘gato’, ‘mamífero aquático’, ‘dono de restaurante que mora no Canto da Lagoa’ etc. Como tais proposições são o material de que os silogismos são construídos, e como a teoria do silogismo era considerada a lógica até meados do século passado, seria interessante ver como dar conta delas usando a linguagem do CQC.2

A propósito, há várias maneiras em português de expressar uma proposição categórica. Por exemplo, no caso de uma universal afirmativa, como ‘Todo gato é mamífero’, poderíamos dizer também ‘Todos os gatos são mamíferos’, ‘Os gatos são mamíferos’, ‘Gatos são sempre mamíferos’, ‘Somente (só, apenas) os mamíferos são gatos’, ‘Se algo é um gato, então é um mamífero’ etc.

Você pode estar se perguntando se não houve um erro a respeito de uma das variações dadas. ‘Somente os mamíferos são gatos’ diz a mesma coisa que ‘todos os gatos são mamíferos’? É isso mesmo?

É isso mesmo. Veja, há uma diferença entre dizer que somente os mamíferos são gatos e que todos os mamíferos são gatos, concorda? A segunda afirmação é falsa, pois nem todos os mamíferos são gatos (há os morcegos e ornitorrincos, por exemplo). Por outro lado, que dizer de ‘somente os mamíferos são gatos’? Parafraseando isso, chegamos a algo como ‘não existe algo que não seja mamífero, mas que seja um gato’. Ou seja, se algo é um gato, tem que ser um mamífero. Ou seja, mais uma vez, todo gato é um mamífero.

Variações estilísticas semelhantes são também possíveis para os outros tipos de proposição categórica. No caso de universais negativas, como ‘nenhum gato é um réptil’, as variações são em menor número. Podemos dizer também que ‘não há gatos que sejam répteis’, ‘se algo é um gato, então não é um réptil’, e assim por diante.

Falando agora de particulares afirmativas, já vimos as variantes com ‘algum’ e ‘alguns’. Em português, ao usar ‘alguns’ — como em ‘alguns gatos são pretos’ — damos a impressão de que há mais de um gato que é preto, o que pareceria não estar implicado por ‘algum gato é preto’. Nossa leitura, porém, é de que, tanto com ‘algum’ quanto com ‘alguns’, estamos dizendo que ‘há pelo menos um’, ‘existe pelo menos um gato que é preto’. Isso é verdade se há um gato, se há dois, se há duzentos...

Finalmente, as particulares negativas. Além das versões com ‘algum’ e ‘alguns’, temos também uma outra, usando o quantificador ‘nem todo’ (ou ‘nem todos’). Ao dizer que nem todo gato é preto, o que queremos afirmar? Ora, que não é verdade que todos os gatos sejam pretos. E o que é preciso que isso seja o caso? Pensando bem... que haja pelo menos um gato não preto, certo? Isto é, que algum gato não seja preto. Ou seja, temos uma particular negativa.

Vamos, então, começar a traduzir proposições categóricas para a nossa linguagem artificial, começando pelas particulares afirmativas. Por exemplo, digamos que queremos formalizar a sentença ‘alguns peixes são azuis’ — ou, de modo equivalente em português, ‘algum peixe é azul’, ou ‘alguma coisa é um peixe azul’. Bem, se quiséssemos formalizar ‘Cleo é um peixe azul’, teríamos, como você recorda do capítulo anterior,

Pc∧Ac

(já tendo eliminado os parênteses externos). Mas como ficaria, então, ‘alguns peixes são azuis’? Obviamente, temos que utilizar variáveis e o quantificador existencial. Parafraseando a sentença em questão, temos algo assim:

Há ao menos um x que é um peixe e é azul,

ou seja,

Há ao menos um x tal que: x é um peixe e x é azul.

O resultado final, portanto, é

∃x(Px∧Ax),

que diz que existe ao menos um x que tem as duas propriedades: ser peixe e ser azul.

Note que, na fórmula mencionada, os parênteses não podem ser esquecidos! Você ainda recorda a distinção entre, digamos, ¬Pc∧Ac e ¬(Pc∧Ac)? No primeiro caso, temos uma conjunção; no segundo, a negação de uma conjunção. Assim, se escrevermos

∃xPx∧Ax,

apenas a variável em Px está sendo quantificada; a ocorrência de x em Ax está fora do escopo do quantificador e, portanto, livre.

Se quiséssemos, agora, formalizar a sentença a seguir:

(5) Algo é um cachorro, e algo é um peixe,

teríamos

(6) ∃xCx∧∃xPx.

Note, primeiro, que a sentença (5) não é categórica. Depois, as duas ocorrências de ∃x anteriores são completamente independentes: de um lado estamos afirmando que alguma coisa é um cachorro, ∃xCx, enquanto, de outro, afirmamos que algo é um peixe: ∃xPx. E esses indivíduos podem ser (no caso de peixes e cachorros, certamente são) distintos. Observe que a fórmula anterior é diferente de

∃x(Cx∧Px).

Esta, sim, diz que há um indivíduo que tem as duas propriedades: a de ser um cachorro e a de ser um peixe, o que, no mundo real, não é verdade. Se quiser enfatizar a possibilidade de que os indivíduos sejam distintos, você poderia ter formalizado a sentença (5) por meio de

∃xCx∧∃yPy,

mas isso não altera muita coisa, uma vez que as duas fórmulas são equivalentes. Como eu disse, as duas ocorrências de ∃x em (6) são independentes uma da outra, e tanto faz que variável você utilize — o uso de variáveis distintas não quer dizer que haja dois indivíduos diferentes envolvidos na história.

Vejamos agora um exemplo de uma proposição categórica do tipo particular negativa, como ‘algum pinguim não mora na Antártida’. O que queremos dizer com isso é que existe pelo menos um indivíduo que tem a propriedade de ser um pinguim, mas que não tem a propriedade de morar na Antártida. Parafraseando isso, temos:

Há pelo menos um x tal que: x é um pinguim e x não mora na Antártida.

Ou seja, usando P para ‘x é um pinguim’, e A para ‘x mora na Antártida’:

∃x(Px∧¬Ax).

Mas nem todas as expressões que representam classes nas proposições categóricas precisam ser propriedades simples como ‘x é um peixe’. Podemos ter coisas mais complexas, envolvendo vários símbolos de predicado. Digamos que pretendemos formalizar a sentença ‘algum pinguim que mora na Antártida não gosta de frio’. Isso é um outro exemplo de uma particular negativa: Algum A (um pinguim que mora na Antártida) não é B (um indivíduo que gosta de frio). Ou seja:

Algum [pinguim que mora na Antártida] não é [um indivíduo que gosta de frio].

Usando F para ‘x gosta de frio’, temos, então:

∃x((Px∧Ax)∧¬Fx).

Vamos agora examinar alguns exemplos com o quantificador universal, começando com uma universal afirmativa como ‘todo peixe é azul’. Tentemos fazer uma paráfrase dessa sentença. Podemos começar com ‘Qualquer peixe é azul’, ou ‘qualquer coisa que seja um peixe azul’, ou ‘para qualquer coisa, é verdade que, se essa coisa é um peixe, então é azul’.

Essa última paráfrase já nos coloca mais próximos do que desejamos. Note que apareceu nela um operador, o nosso ‘se ... então ...’. Assim, nossa paráfrase ficará mais ou menos como segue, substituindo ‘essa coisa’ por x:

Para qualquer x, se x é um peixe, então x é azul.

Isso corresponde a

∀x(x eˊ peixe →x eˊ azul),

que é imediatamente formalizável da seguinte maneira:

∀x(Px→Ax).

Note, portanto, que na estrutura da sentença ‘todo peixe é azul’ está escondida uma implicação.

Obviamente, não podemos formalizar a sentença ‘todo peixe é azul’ com

∀x(Px∧Ax).

Essa fórmula, na verdade, está dizendo que

qualquer que seja o indivíduo x, x é um peixe e x é azul,

ou seja, que todos os indivíduos do universo têm as duas propriedades: de ser peixe e ser azul. Isso só é verdade, claro, num universo de peixes azuis — isto é, num universo onde todos os indivíduos, sem exceção, são peixes azuis. Contudo, não é isso que a sentença original afirmava. Você percebe a diferença entre ‘Todos são peixes azuis’ e ‘Todos os peixes são azuis’? O segundo caso significa dizer que, para qualquer x, vale o seguinte: se ele for peixe, então é azul. Mas um certo x pode, claro, não ser um peixe e ter outra cor.

De modo análogo, uma sentença como ‘nenhum peixe é azul’ pode ser parafraseada como ‘se algo é um peixe, então não é azul’, e podemos formalizar isso assim:

∀x(Px→¬Ax).

Ou seja: para qualquer x, se x é um peixe, então x não é azul. Alternativamente, poderíamos usar

¬∃x(Px∧Ax),

ou seja, não existe algo que seja um peixe azul.

Na teoria clássica do silogismo, letras como A e B serviam para propriedades. Mas como o CQC também nos permite trabalhar com relações, sentenças que as envolvem também podem ser formalizadas. Por exemplo,

Todos os filhos de João são estudantes.

Essa sentença tem a mesma forma de uma universal afirmativa; veja:

Todo [filho de João] é [estudante].

Se começarmos a formalizar isso, teremos

∀x(x eˊ filho de Joa˜o →x eˊ estudante).

Precisamos, agora, apenas de uma constante individual e de constantes de predicado. Por exemplo, j para João, F para ‘x é filho de y’ e E para ‘x é estudante’. Assim:

∀x(Fxj→Ex).

Considere agora um exemplo mais complicado:

Nenhum filho adolescente de João é estudante.

Essa sentença tem a forma ‘Nenhum A é B’, uma universal negativa:

Nenhum [filho adolescente de João] é [estudante].

Como um início de formalização, temos:

∀x(x eˊ filho adolescente de Joa˜o →¬x eˊ estudante).

Ou seja:

∀x((x eˊ filho de Joa˜o ∧x eˊ adolescente)→¬x eˊ estudante).

E, usando A para ‘x é adolescente’, temos, finalmente:

∀x((Fxj∧Ax)→¬Ex).

Como você vê, muitas sentenças de estrutura mais complexa podem ser reduzidas a uma das quatro formas básicas de proposição categórica. O quadro seguinte resume o que vimos até agora:

Todo A é B ∀x(Ax→Bx) Nenhum A é B ∀x(Ax→¬Bx) Algum A é B ∃x(Ax∧Bx) Algum A não é B ∃x(Ax∧¬Bx)

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8.6 Quantificadores e fórmulas gerais

Com o que vimos até agora da linguagem do CQC, podemos formalizar um grande número de argumentos. Mas que isso ainda é pouco você pode ver pelo exemplo a seguir, que havíamos visto no início deste capítulo:

(A2) P Aristóteles é um filósofo. ∴ Alguém é um filósofo.

A premissa do argumento não oferece problema: podemos formalizá-la por Fa, onde F representa a propriedade ‘x é um filósofo’ e a designa Aristóteles. Porém, que fazer com a conclusão? Estamos afirmando que alguém é um filósofo; logo, a simbolização deveria ser algo como

F...

Porém, o que vamos colocar no lugar das reticências? Obviamente não podemos colocar aí a constante a, pois Fa significa que Aristóteles é um filósofo, o que não é a mesma coisa que dizer que alguém é um filósofo. É fácil ver que também não podemos colocar uma outra constante individual, tal como b, para preencher as reticências. Lembre-se de que as constantes funcionam como nomes de indivíduos determinados; assim, b estaria designando, digamos, Beatriz, e Fb estaria dizendo que Beatriz é uma filósofa. Note que, com a sentença ‘alguém é um filósofo’, estamos falando, sim, de algum indivíduo, mas não sabemos qual; sabemos que ele existe, mas não sabemos seu nome.

A solução para esse pequeno impasse é a utilização de variáveis, claro. Contudo, escrever somente

Fx

para representar a conclusão do argumento apresentado ainda não é o suficiente. Essa fórmula diz apenas que

x é um filósofo,

o que não parece afirmar que haja alguém que o seja. Para entender melhor esse ponto, considere a expressão aritmética x<2. Suponha que estejamos falando dos números naturais: fica difícil dizer se essa expressão é verdadeira ou falsa, não é mesmo? O problema é que não sabemos o que é x; não sabemos se estamos falando de um certo x ou de qualquer x. Compare isso agora com as duas afirmações a seguir:

(4) existe ao menos um x tal que x<2, (5) qualquer que seja x, x<2.

Nesses dois casos, podemos decidir sobre a verdade ou falsidade das afirmações. A primeira é verdadeira, pois existe, de fato, um número natural menor do que 2 (o número 1, por exemplo), enquanto a segunda é falsa: nem todo número natural é menor que 2 (o número 4, por exemplo, é maior que 2). O que fizemos em (4) e (5), ao contrário do caso x<2 anterior, foi introduzir um quantificador para agir sobre a variável.

O quantificador em (4) é chamado quantificador existencial e corresponde, em português, às expressões ‘existe pelo menos um’, ‘alguns’, ‘algum’, ‘alguém’ etc. (É claro que, em português, a palavra ‘alguns’, estando no plural, dá a entender que há mais de um indivíduo envolvido, mas, de qualquer forma, está garantido que há pelo menos um — e é assim que entendemos o quantificador existencial.) Agora, como você vê em (4), a expressão ‘existe ao menos um’ vem associada a uma variável: ‘existe ao menos um x tal que’. Para representar o quantificador existencial, portanto, vamos utilizar o símbolo ∃, que sempre empregamos seguido de uma variável: ∃x, por exemplo, ou ∃y. Dito de outra forma, um quantificador existencial é uma expressão da forma ∃v, em que v é uma variável individual. (Usaremos ‘x’, ‘y’ e ‘z’, em negrito, como metavariáveis para as variáveis da linguagem do CQC.)

Dispondo do quantificador existencial, a conclusão do argumento (A2) pode ser formalizada assim:

∃xFx,

que afirma que existe ao menos um x no universo de discurso que tem a propriedade de ser filósofo. Ou seja, alguém é filósofo.

O outro tipo de quantificador, aquele que aparece em (5), é o quantificador universal, que corresponde às locuções ‘para todo’, ‘qualquer que seja’, ‘todos’, ‘cada’, e assim por diante. Para representá-lo, usaremos o símbolo ∀ — naturalmente, seguido de uma variável. Ou seja, um quantificador universal é uma expressão da forma ∀v, onde v é uma variável individual. Assim, se quisermos formalizar a sentença “Todos são filósofos”, teremos

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Antes de nos ocuparmos da conclusão de (A1), vamos falar um pouco mais sobre as constantes de predicado. Como você vê, se elas são chamadas ‘constantes de propriedade’, é porque deve haver mais a ser dito a esse respeito. De fato, existem predicados que não são propriedades. Considere a sentença a seguir:

(2)

João é mais alto que Maria.

Enquanto, com ‘Tweety é um pássaro’, dizíamos que o indivíduo cujo nome é ‘Tweety’ tem a propriedade de ser um pássaro, aqui, precisamos usar uma outra terminologia. O que dizemos é que João e Maria se encontram numa certa relação. Não podemos dizer que um deles, individualmente, tenha a propriedade de ser mais alto que — ficaria esquisito afirmar ‘João é mais alto que’. Poderíamos, é claro, dizer que João tem a propriedade ‘x é mais alto Maria’, mas isso esconde a existência do indivíduo Maria. Além do mais, suponhamos que você tivesse que formalizar também a sentença

João é mais alto que Carlos.

Se você fosse formalizá-la também com símbolos de propriedade, você teria que ter um novo símbolo para a propriedade ‘x é mais alto que Carlos’ — que é uma propriedade diferente de ‘x é mais alto que Maria’.

Assim, o mais natural é usar um segundo tipo de símbolo de predicado, símbolos para relações entre dois indivíduos: as relações binárias, ou predicados de grau 2 — também chamados de predicados de 2 lugares, ou binários. Com respeito à sentença (2), poderíamos representá-la da seguinte maneira, utilizando o símbolo A para representar a relação ‘x é mais alto que y’, e j e m para denotar, respectivamente, João e Maria:

Ajm.

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Ter propriedades nos leva, então, ao nosso terceiro grupo de expressões básicas, as constantes de predicado (também denominadas 'símbolos de predicado'). Para elas, usaremos letras maiúsculas A,...,T; naturalmente podendo admitir subscritos, como A1​,R44​ etc. A ordem canônica é a seguinte:

,B,C,...,T,A1​,B1​,...,T1​,A2​,...

Assim, se usarmos a letra P para representar a propriedade 'x é um peixe', a primeira premissa de (A1), 'Cleo é um peixe', seria formalizada da seguinte maneira (onde c é Cleo, lembra?):

Pc.

Note que o símbolo de predicado é escrito antes da constante individual. Nada nos impede de fazer o contrário, desde que usemos a notação de modo homogêneo. O usual, contudo, é colocar a constante de predicado primeiro, e é o que faremos aqui. De manei ra similar, se utilizarmos G para simbolizar 'x é um gato', e m para 'Miau', teríamos a segunda premissa do argumento (A1) assim:

Gm.

Expressões como Pc e Gm dadas são chamadas de fórmulas. Na verdade, são as fórmulas mais simples que temos e, por corresponderem a sentenças atômicas, vamos chamá-las de fórmulas atômicas. Nos dois casos exemplificados, uma fórmula atômica foi obtida aplicando-se um símbolo de propriedade a uma constante individual. Podemos obter também fórmulas atômicas com variáveis — por exemplo, Px, o que corresponde à forma sentencial 'x é um peixe'. (Isso nos será útil logo mais adiante.)

Introdução à Lógica by  (Page 168 - 169)