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Miguel Medeiros

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Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

A ditadura pode até ter sido uma sucessão quase imperial de generais no exercício da Presidência da República; contudo, entre 1964 e 1985, o Ministério do Planejamento, juntamente com o da Fazenda, não ficava atrás. Tinha poderes de sobra, era reduto de civis, e o comando da área econômica cabia quase todo ao Ipes: Roberto Campos, Octávio Gouvêa de Bulhões, Antônio Delfim Netto, Hélio Beltrão, Mário Henrique Simonsen. “No fundo, existia um canal absolutamente aberto entre o governo e o setor empresarial”, reafirmou, cinquenta anos depois, Delfim Netto, ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, e do Planejamento entre 1979 e 1985. O Ministério da Fazenda dispunha de controle quase total do orçamento, isto é, sobre gastos que deveriam ser definidos pelo Congresso Nacional. “O ministro da Fazenda tinha poderes de autorizar qualquer despesa que lhe desse na telha”, recordou o ex-ministro Maílson da Nóbrega, e completou: “Poderes de matar de inveja um rei medieval”. O projeto de desenvolvimento econômico da ditadura pretendia facilitar o investimento estrangeiro, reduzir o papel ativo do Estado e elevar o ritmo de crescimento. E tudo isso foi feito sem contestação: “Fazíamos, e não havia força política, nem legislativa, nem no Judiciário, que pudesse se contrapor a esse comando econômico”, confirmou o ex-ministro Ernane Galvêas. O governo Castello Branco ergueu as bases econômicas e financeiras que serviriam para deslanchar o modelo de desenvolvimento, e deu prioridade a um programa de estímulo ao investimento estrangeiro e de incentivo às exportações por meio da desvalorização do cruzeiro em relação ao dólar. Adotou uma dura política de estabilização: controle dos salários, redução da idade legal mínima de trabalho, fim da estabilidade no emprego através da criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), repressão aos sindicatos, proibição de greves.

Brasil by , (Page 451)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

A nova capital federal foi inaugurada em 21 de abril de 1960. Nove meses depois, Juscelino deu posse ao novo presidente eleito, Jânio Quadros, sem saber que estava realizando uma façanha e tanto: apenas em 2003 um presidente civil, eleito pelo voto popular, tornaria a entregar a faixa ao seu sucessor. JK viajou para a Europa, de férias, convencido de que estaria de volta a Brasília e a seu cargo em 1965. A Constituição de 1946 vedava a possibilidade de reeleição e sua campanha presidencial começou ali mesmo, na despedida do cargo: a cidade estava coberta de faixas e cartazes com o slogan “JK-65”, e, no aeroporto, uma multidão aguardava por ele para dizer-lhe até breve. Juscelino passou o último ano de seu mandato com um olho posto na urgência de construir Brasília e o outro espiando as condições favoráveis de retorno ao poder. E maquinou uma estratégia para seu partido perder a eleição. A situação financeira do país era grave, o governo não tinha controle sobre os gastos, e seu sucessor precisaria adotar um programa rigoroso de austeridade econômica. O segundo passo era mais longo: como transferir esse ônus para a oposição. A estratégia seria fazer a UDN vencer as eleições, gastar o mandato levando nas costas uma política impopular de combate à inflação para que, no final, JK retornasse, em 1965, com um novo programa de crescimento.

Brasil by ,

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

Por sinal, passada a euforia dos primeiros momentos da Lei Áurea, de 1888, foram ficando claras as falácias e incompletudes da medida. Se ela significou um ponto final no sistema escravocrata, não priorizou uma política social de inclusão desses grupos, os quais tinham poucas chances de competir em igualdade de condições com demais trabalhadores, sobretudo brancos, nacionais ou imigrantes. A impressão era a de que seria preciso apagar o “passado negro”, conforme teria dito Rio Branco, o ministro de Relações Exteriores, num duplo ato falho. Vale lembrar a estrofe do novo Hino da República, que, como sabemos, foi escrito no início de 1890 e conclamava: “Nós nem cremos que escravos outrora/ Tenha havido em tão nobre país…”. “Outrora” fora um ano e meio antes, mas ninguém mais fazia questão de recordar.

Na realidade, nos primeiros anos da República pairava um verdadeiro “medo” de novas escravizações, ou da vigência de políticas raciais no país. Sobre os libertos recaía, portanto, um fardo pesado, condicionado pelos modelos deterministas de interpretação social e pela própria história. Foi por isso que ocorreu, então, uma reversão de expectativas, uma vez que a igualdade jurídica e social acabou sendo condicionada por novos critérios raciais, religiosos, étnicos e sexuais. Segundo a visão da época, a explicação para a falta de sucesso profissional ou social dos negros e mestiços estaria na biologia; ou melhor, na raça, e não numa história pregressa ou no passado imediato. Henrique Roxo, médico do Hospício Nacional, em pronunciamento no II Congresso Médico Latino-Americano de 1904 asseverava que negros e pardos deveriam ser considerados como “tipos que não evoluíram”; “ficaram retardatários”. Segundo ele, se cada povo carregava uma “tara hereditária”, no caso desses grupos ela era “pesadíssima”, levando à vadiagem, ao álcool e demais distúrbios mentais. O médico não deixava de incluir argumentos sociais, culpando a “transição bruscada”, assim como o crescimento desorganizado das cidades.

O fato é que o país continuava sendo representado como um gigante mestiço, que, nesse sentido, pedia cuidados. O Brasil foi o único país latino-americano a participar do I Congresso Internacional das Raças em julho de 1911, e enviou para Londres o então diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista de Lacerda. Por lá, o cientista apresentou um artigo intitulado “Sur les Métis au Brésil”, com conclusões insofismáveis: “É lógico supor que na entrada do novo século os mestiços terão desaparecido no Brasil, fato que coincidirá com a extinção paralela da raça negra entre nós”. O texto apostava, a partir de argumentos biológicos e sociais, num futuro branco e pacífico, com os negros e mestiços desaparecendo para dar lugar a uma civilização ordenada e crescentemente branqueada. Porém, a tese do cientista seria recebida de maneira pessimista no país, mas não pelos motivos que podemos imaginar. Ao contrário, julgava-se que um século era tempo demais para que o Brasil se tornasse definitivamente branco.

Também o antropólogo Roquette Pinto, presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia, ocorrido em 1929, previa um país cada vez mais branco: em 2012 teríamos uma população composta de 80% de brancos e 20% de mestiços; nenhum negro, nenhum índio. A entrada conjunta e maciça dessas escolas fez com que o debate pós-abolição fosse deslocado da questão jurídica do acesso à cidadania e igualdade, para argumentos retirados da biologia. A ciência naturalizava a história, e transformava hierarquias sociais em dados imutáveis. E o movimento era duplo: de um lado, destacava-se a inferioridade presente no componente negro e mestiço da população; de outro, tentava-se escamotear o passado escravocrata e sua influência na situação atual do país. Desenhava-se, assim, uma espécie de subcidadania, que mirava os habitantes dos sertões, mas também dos “cortiços”, tão bem descritos por Aluísio Azevedo, que, em 1890, publicou O cortiço, romance em que caracterizava tais aglomerados como verdadeiros barris de pólvora, não só por reunirem populações tão distintas — portugueses, espanhóis, ex-escravos, negros e mulatos livres — como por carregarem as mazelas dessa urbanização feita às pressas e às custas da expulsão de largos contingentes populacionais.

Os libertos conviviam, pois, com o preconceito do passado escravocrata, somado ao preconceito de raça. Não por acaso o escritor Lima Barreto afirmou em seus diários que no Brasil “a capacidade mental dos negros é discutida a priori, e a dos brancos, a posteriori”, e finalizou desabafando: “É triste não ser branco”. Após a Abolição, as populações de origem africana foram marcadas por um racismo silencioso, mas eficaz, expresso por uma leitura hierarquizada e criteriosa das cores. Imagens como o ócio e a preguiça se associaram rapidamente aos negros e mestiços, definidos como desorganizados social e moralmente. É por isso que a “liberdade era negra, mas a igualdade branca”. A igualdade e a cidadania eram ganhos das elites brancas e com acesso a voto, sendo que as populações que conheceram a escravidão deveriam se limitar a celebrar a liberdade do ir e vir. Bom exemplo seria o apego imediato à posse de certos objetos cuja proibição de uso simbolizava a própria ausência de liberdade. Conta o viajante Louis-Albert Gaffre que, logo depois da Abolição, negros e negras de posse de suas pequenas economias dirigiram-se às lojas de calçados; acessórios que lhes eram até então interditados. Contudo, se foi grande a procura desses ícones da liberdade, o resultado imediato se revelou decepcionante. Os pés outrora descalços, calejados, acostumados ao contato direto com o chão não aguentaram o uso de “tanta modernidade”. Por isso, testemunhas de época relatam ter observado nas ruas da cidade ou no campo negros carregando pares de calçado: não nos pés, mas apoiados nos ombros, como bolsa a tiracolo ou troféus. Liberdade, de toda forma, significava o arbítrio de poder comprar e usar o que se quisesse, e de ter nome e identidade.

Não obstante, o desfile de continuidades era maior que o de rupturas. Sobretudo nas áreas rurais, os libertos misturaram-se à população pobre; situação, aliás, que nada trazia de novidade. O que representava, sim, uma novidade era o nomadismo experimentado por essas populações, que agora evitavam estabelecer-se em endereço fixo. O que se sabe é que esse vasto segmento, formado também por caipiras, sertanejos e caboclos, habituara-se a desenvolver roças volantes e deslocar-se sazonalmente, atuando como vaqueiros, tangedores, domadores de cavalos, jornaleiros nas planícies do Sul do país ou na pecuária nordestina. Esse tipo de condição explicaria também o hábito da parcimônia nos bens e da recusa das criações animais. Trabalhadores negros se misturaram à população camponesa, aderiram ao modo de vida caipira e caboclo de São Paulo, tomaram parte na produção agrícola das fazendas de Minas Gerais, assim como atuaram na economia açucareira e na cultura do algodão do Nordeste. Evitavam vida sedentária e viviam em torno dos “mínimos vitais”: uma cultura dirigida para a produção dos pequenos excedentes, tanto comerciais como alimentares; uma sociabilidade construída na base das relações de vizinhança e das reuniões nos arraiais, vilas e bairros rurais.

Assim, se alguns sanitaristas apontavam a apatia e a degeneração dos mestiços, e reconheciam neles um Brasil doente, relatos de cronistas enalteciam agora o que chamavam de “um modo de vida puro e caipira”. É dessa época a contraposição entre o mestiço corrompido e a representação do Jeca Tatu, personagem criado pelo escritor Monteiro Lobato em 1914, no artigo “Urupês”, para o jornal O Estado de S. Paulo. O modelo original vinha do caipira da região do Vale do Paraíba, e o personagem se converteria numa das mais conhecidas caricaturas dos pobres rurais no imaginário dos brasileiros. Para Lobato, diante de problemas que vivenciava, como agregado, das grandes transformações na vida política, das secas intermitentes e da carestia constante, o caboclo permanecia alheio a qualquer mudança. Não por coincidência, nesse mesmo contexto, Rui Barbosa proferiu uma palestra utilizando-se da caricatura do Jeca. “Quem afinal seria o povo brasileiro?”, perguntava ele. Aquele caboclo agachado e cujo voto era trocado por uma bebida no bar ou um rolo de fumo, ou o senhor da elite, que lia em francês, fumava cigarros e ia aos teatros e óperas italianas?

Perguntas desse tipo ocuparam os debates políticos que antecederam o fim da Primeira República, em 1930, e representavam o outro lado dos projetos de modernização do país. Aí estava o Brasil das casas de pau a pique, na versão mineira; das cafuas na Chapada Diamantina; do mocambo nordestino; ou das palhoças dos ribeirinhos. Era nesses locais que se praticava uma sociabilidade cabocla, caracterizada pelos ritos de respeito, mas também pela violência. Ao largo de uma agricultura itinerante, produzia-se uma alimentação caipira, à base de mandioca, milho e feijão. Em dias especiais, galinha ou carne-seca misturadas com farinha, pirão, angu e paçoca. Cultuava-se igualmente uma religiosidade popular, que mesclava em doses generosas um catolicismo rústico com práticas retiradas de diversas tradições nacionais e também estrangeiras, onde ao sagrado se misturavam feitiços, quebrantos e preces. Aí estava o lado oposto de um mesmo país. O oposto do mesmo.

Brasil by , (Page 342 - 345)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

A imigração italiana ajuda a entender a associação dos trabalhadores brasileiros com o anarquismo — força política hegemônica no movimento operário italiano —, pelo menos em São Paulo. E, reza a boa tradição revolucionária, um anarquista italiano, ao imigrar, transformava-se num missionário dos ideais libertários. Os ideais desse grupo também desembarcaram na bagagem dos imigrantes espanhóis e portugueses, os quais assumiram papel decisivo na orientação política do movimento operário que crescia igualmente no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Anarquista é aquele que se propõe a criar uma sociedade sem Estado, formada por comunidades autogeridas cujo cotidiano é orientado pelos princípios da liberdade, da livre experimentação, da solidariedade e da fraternidade. No Brasil, os anarquistas se organizaram entre os operários através de associações de luta e de reivindicações — voltadas para a propaganda, melhoria das condições de vida do trabalhador e do seu acesso à educação. Criaram diversas publicações — O Amigo do Povo, A Voz do Trabalhador, A Terra Livre, A Plebe, A Lanterna — e utilizaram a greve como principal arma de mobilização e combate. Também se dividiram entre duas correntes. Os anarcossindicalistas predominaram em São Paulo e apostavam nas associações como principal espaço de atuação política. Já os anarcocomunistas acreditavam na insurreição como caminho de ação revolucionária. Todos, porém, estavam de acordo num ponto: apenas através da ação direta e autônoma dos operários seria possível alcançar a abolição do capitalismo e a instauração da anarquia.

Não por coincidência, o período de 1906 a 1908 foi marcado por um crescimento no número de greves. A classe operária reagia às péssimas condições de trabalho — não havia restrição de idade ou tempo máximo de jornada diária —, assim como lutava por melhores salários e pela criação de órgãos de representação, como sindicatos e partidos. Crianças trabalhavam nas fábricas a partir de cinco anos de idade, sendo que menores chegavam a constituir metade do número total de operários empregados. O censo industrial de 1919 também assinala a existência de largo contingente de mão de obra feminina. A presença de crianças e mulheres nas fábricas levava à diminuição do nível médio dos salários, enquanto a carestia aumentava nos anos de guerra.

Brasil by , (Page 335)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

A história que envolveu a escolha de um novo Hino Nacional, logo em 20 de janeiro de 1890, é igualmente significativa. Abriu-se um concurso e o vencedor foi o projeto de Leopoldo Miguez e Medeiros e Albuquerque, que se oficializou como Hino da Proclamação da República. Mas o velho hino de Francisco Manuel da Silva, que não havia nem ao menos entrado na competição, continuou a ser o Hino Nacional. “Prefiro o velho”, teria dito o marechal Deodoro, não obstante a suspeita de que fosse de autoria de d. Pedro I. Até mesmo a bandeira nacional, a despeito das interpretações surgidas a posteriori (que explicavam o verde como uma referência às matas do país, e o amarelo como uma alusão às riquezas minerais), seguia ostentando seus vínculos com a tradição imperial: o verde, cor heráldica da Casa Real Portuguesa de Bragança; o amarelo, cor da Casa Imperial Austríaca de Habsburgo. Além disso, o desenho republicano reaproveitou o losango da bandeira imperial, apenas retirando o brasão monárquico com as armas imperiais aplicadas e introduzindo o lema positivista de “Ordem e Progresso”. Assim, apesar dos esforços, continuava enraizado na nação um incômodo imaginário monárquico, presente até hoje não só em elementos da retórica patriótica como numa concepção de sociedade ainda impregnada pela mística dos títulos de nobreza, das ordens honoríficas e dos rituais de consagração.

Brasil by , (Page 319)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

Enquanto isso, no Brasil, para provar que a República vinha para ficar, alteravam-se rapidamente nomes e símbolos, na tentativa de dar mais concretude à mudança efetiva de regime. O largo do Paço passou a se chamar 15 de Novembro; a Estrada de Ferro Pedro II, Central do Brasil; o Colégio Pedro II, Colégio Nacional; o vistoso conjunto de residências denominado Vila Ouro Preto foi batizado de Vila Rui Barbosa. Os motivos impressos no papel-moeda circulante também foram alterados, e rapidamente: saiu d. Pedro II e a monarquia, entraram as imagens da nova República dos Estados Unidos do Brasil. A voga chegou aos nomes próprios, que começaram a se inspirar nos modelos republicanos norte-americanos — Jefferson, Franklin, Washington. Até mesmo o termo “corte” foi trocado, por decreto, por “capital federal”; isso a despeito de a população, acostumada com o nome antigo, acabar por mantê-lo. Uma nova lista de festas nacionais substituiria as antigas datas do Almanack Laemmert, famoso noticioso do Império: o dia 1º de janeiro celebraria a “fraternidade universal”, 13 de maio, “a fraternidade dos brasileiros”, 14 de julho, “a República”, e 21 de abril “os precursores”. Neste último caso, tratava-se de consagrar a figura de Tiradentes, o único rebelde condenado à morte durante a Conjuração Mineira de 1789. No entanto, como se desconheciam retratos do herói, o que se viu foi um processo crescente de associação entre a sua figura e a de Cristo: olhar cândido, vestes brancas com um crucifixo no peito, cabelos até os ombros, soltos. A partir desse momento, a imagem do novo herói ganharia a iconografia política, que se apropriou de Tiradentes não só como símbolo revolucionário: o mártir que se sacrificou pela República.

Brasil by , (Page 318 - 319)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

Por seu turno, a população escravizada reagia promovendo fugas, rebeliões e assassinatos, ou partindo para a ironia contra a corrupção dos brancos: “Sinhô branco também furta/ Nosso preto furta galinha/ furta saco de feijão/ Sinhô branco quando furta/ Furta prata e patacão/ Nosso preto quando furta/ Vai parar na [Casa de] Correção/ Sinhô branco quando furta/ logo sai sinhô barão”.

Brasil by , (Page 188)

Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) 5 stars

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

Na Fazenda Santa Cruz, que pertencia à monarquia e distava sessenta quilômetros da cidade, “forneciam-se” produtos agrícolas mas também “artistas clássicos”: todos negros. Os escravos dessa propriedade, além de trabalharem nas lavouras, eram iniciados na música sacra, formando corais e tocando instrumentos. Esses músicos foram ganhando fama, e a escola recebeu a denominação de Conservatório de Santa Cruz. Embora a fazenda estivesse passando por um processo de decadência financeira, os mestres nunca pararam de exercer seu ofício, e a escola de música granjearia novo impulso com d. João. Em 1817 o prédio foi reformado, e a capela, redecorada, prevendo-se apresentações da orquestra e do coral. Ademais, Santa Cruz tornou-se a residência de verão da família real e sede de solenidades. Os músicos escravos dedicavam muito tempo ao estudo teórico e à prática instrumental, sob orientação de mestres como o próprio José Maurício. Costume inaugurado pelo príncipe regente, os artistas de Santa Cruz seriam constantemente “emprestados” para integrar a orquestra, o coral ou a banda do Paço de São Cristóvão e da Capela Real. Tocavam rabecas, violoncelos, clarinetas, rabecões, flautas, fagotes, trombones, trompas, pistons, requintas, bumbos, flautins de ébano; executavam marchas militares e patrióticas, valsas, modinhas, quadrilhas. Também apresentavam óperas. D. João, amante da música, comparecia ao teatro, nos dias de gala, e às vezes adormecia. Acordava então assustado e perguntava a um de seus fiéis camareiros: “Já se casaram os patifes?”.

Brasil by , (Page 186 - 187)

Alysson Leandro Mascaro: Estado e forma política (Português language, 2013, Boitempo Editorial) No rating

Estado e forma política, do jurista e filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro, modifica o …

É justamente na constituição de uma unidade concorrencial interna, em comparação com o externo, que se dá um dos elementos mais importantes das específicas redes de reprodução do capital. Os Estados se apresentam como unidades competitivas entre si, clamando por reiterados sacrifícios das classes trabalhadoras internas a fim de dar condições de competitividade do capital nacional em relação ao capital mundial. Nesse sentido, é improvável a existência de um Estado mundial global, sob o risco de o capital e a política perderem as vantagens e ganhos da competição entre Estados plurais. As condições da concorrência capitalista necessitam de unidades políticas distintas em benefício das lutas pela valorização do valor.

Estado e forma política by 

Alysson Leandro Mascaro: Estado e forma política (Português language, 2013, Boitempo Editorial) No rating

Estado e forma política, do jurista e filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro, modifica o …

o capitalismo encontra grande importância no estabelecimento de um sistema plural de Estados. Em razão dos interesses externos do capital, é proveitoso que haja um sistema de Estados, e não um Estado geral mundial. A forma política capitalista há de se revelar como estatal e inexoravelmente plural: somente com a multiplicidade de Estados se estabelecem e se cimentam plenamente os mecanismos da reprodução do capital, porque a concorrência entre Estados dá unidade estrutural e ideológica ao acoplamento entre a exploração da força de trabalho e o interesse do capital nacional. Nesta unidade estatal mergulhada em um sistema de Estados, cada ente constitui um amálgama de interesses e de junções de exploração que se põe em competição com outros entes. A funcionalidade capitalista da pluralidade dos Estados nacionais se revela como a possibilidade de que a competição estabeleça uma específica junção de classes e interesses dentro do território de cada Estado, aumentando o grau de exploração interna diante das variáveis exteriores.

Estado e forma política by 

Karl Marx: O capital (Paperback, Português language, 2013, Boitempo) 5 stars

Tradução vencedora do Prêmio Jabuti de Melhor Tradução (2014). O clássico de Marx foi originalmente …

A luta entre capitalista e trabalhador assalariado começa com a própria relação capitalista, e suas convulsões atravessam todo o período manufatureiro. Mas é só a partir da introdução da maquinaria que o trabalhador luta contra o próprio meio de trabalho, contra o modo material de existência do capital. Ele se revolta contra essa forma determinada do meio de produção como base material do modo de produção capitalista. Durante o século XVII, quase toda a Europa presenciou revoltas de trabalhadores contra a assim chamada Bandmühle (também chamada de Schnurmühle ou Mühlenstuhl), uma máquina de tecer fitas e galões. No final do primeiro terço do século XVII, uma máquina de serrar movida por um moinho de vento e instalada nos arredores de Londres por um holandês sucumbiu em virtude dos excessos da ralé [Pöbel]. Ainda no começo do século XVIII, na Inglaterra, as máquinas hidráulicas de serrar só superaram com muita dificuldade a resistência popular, respaldada pelo Parlamento. Quando, em 1758, Everet construiu a primeira máquina de tosquiar movida a água, ela foi queimada pelas 100 mil pessoas que deixara sem trabalho. Os scribbling mills [moinhos de cardar] e as máquinas de cardar de Arkwright provocaram uma petição ao Parlamento, apresentada pelos 50 mil trabalhadores que até então viviam de cardar lã. A destruição massiva de máquinas que, sob o nome de ludismoj, ocorreu nos distritos manufatureiros ingleses durante os quinze primeiros anos do século XIX e que foi provocada sobretudo pela utilização do tear a vapor, ofereceu ao governo antijacobino de um Sidmouth, Castlereagh etc. o pretexto para a adoção das mais reacionárias medidas de violência. Foi preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinguisse entre a maquinaria e sua aplicação capitalista e, com isso, aprendesse a transferir seus ataques, antes dirigidos contra o próprio meio material de produção, para a forma social de exploração desse meio

O capital by  (Page 499 - 501)

Karl Marx: O capital (Paperback, Português language, 2013, Boitempo) 5 stars

Tradução vencedora do Prêmio Jabuti de Melhor Tradução (2014). O clássico de Marx foi originalmente …

O valor da força de trabalho estava determinado pelo tempo de trabalho necessário à manutenção não só do trabalhador adulto individual, mas do núcleo familiar. Ao lançar no mercado de trabalho todos os membros da família do trabalhador, a maquinaria reparte o valor da força de trabalho do homem entre sua família inteira. Ela desvaloriza, assim, sua força de trabalho. É possível, por exemplo, que a compra de uma família parcelada em quatro forças de trabalho custe mais do que anteriormente a compra da força de trabalho de seu chefe, mas, em compensação, temos agora quatro jornadas de trabalho no lugar de uma, e o preço delas cai na proporção do excedente de mais-trabalho dos quatro trabalhadores em relação ao mais-trabalho de um. Para que uma família possa viver, agora são quatro pessoas que têm de fornecer ao capital não só trabalho, mas mais-trabalho. Desse modo, a maquinaria desde o início amplia, juntamente com o material humano de exploração, ou seja, com o campo de exploração propriamente dito do capital, também o grau de exploração.

O capital by  (Page 468)

Karl Marx: O capital (Paperback, Português language, 2013, Boitempo) 5 stars

Tradução vencedora do Prêmio Jabuti de Melhor Tradução (2014). O clássico de Marx foi originalmente …

À medida que torna prescindível a força muscular, a maquinaria converte-se no meio de utilizar trabalhadores com pouca força muscular ou desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho feminino e infantil foi a primeira palavra de ordem da aplicação capitalista da maquinaria! Assim, esse poderoso meio de substituição do trabalho e de trabalhadores transformou-se prontamente num meio de aumentar o número de assalariados, submetendo ao comando imediato do capital todos os membros da família dos trabalhadores, sem distinção de sexo nem idade. O trabalho forçado para o capitalista usurpou não somente o lugar da recreação infantil, mas também o do trabalho livre no âmbito doméstico, dentro de limites decentes e para a própria família120.

O capital by  (Page 468)