Reviews and Comments

Marte

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Sybille Titeux de la Croix, Amazing Améziane: Miss Davis (GraphicNovel, português language, 2020, Agir)

Negra. Ativista. Revolucionária. Angela Davis é uma das maiores ativistas do nosso tempo. Sua história …

Bonito, mas falta coesão narrativa

As ilustrações da história em quadrinhos são excelentes. Aqui, estilos diferentes são misturados entre capítulos, mas de alguma forma, faz sentido e não fica esquisito. O problema está na narrativa.

O primeiro capítulo narra a história da infância de Angela Davis, importante ativista dos direitos civis estadunidense. A narradora desse capítulo é Cynthia Wesley, amiga de infância de Davis, e é uma narração fictícia pois Cynthia morreu em um atentado terrorista da KKK em 1963, quando Angela já não morava mais em sua cidade natal. Esse capítulo é até que bem elaborado, principalmente se você não conhece a história de Wesley. Entretanto, o primeiro problema já aparece ao final do primeiro capítulo: nenhum contexto mais específico sobre esse atentado e seus impactos no movimento negro estadunidense é dado pela narração, que passa a ser dada por uma jornalista branca fictícia após a morte de Wesley na narrativa. Aliás, essa jornalista …

Liv Strömquist: A rosa mais vermelha desabrocha (GraphicNovel, Portuguese language, 2021, Quadrinhos Na Cia)

Depois do sucesso de A origem do mundo, Liv Strömquist está de volta numa poderosa …

Vai do nada a lugar nenhum

Só não dou uma das menores notas (0.5/5 ou 1.0/5) porque essa honraria está destinada aos livros da Colleen Hoover, se um dia eu tiver o desprazer de ler.

Esse livro é escrito por uma quadrinista que também é socióloga, mas ela falha completamente em entregar um ponto. A tese dela é a seguinte: no capitalismo tardio, as pessoas se apaixonam menos que antes. É uma tese disputável, mas também razoável. O problema é que a autora se perde completamente na hora de comprovar sua tese, ela vai e volta na história, culpa as feministas, culpa os psicanalistas, culpa os romantistas machistas do século XIX, e eu não consigo entender o que ela quer entregar aqui. Fica até difícil tecer uma resenha crítica desse jeito.

Quanto à arte dos quadrinhos, ou você faz quadrinhos, ou você escreve muralhas de texto à mão. Não gosto do segundo tipo de arte aparecendo …

Fray Baroque, Tegan Eanelli: Bash Back! (Paperback, português language, N-1 Edições)

(...) “Bash”, verbo inglês cuja tradução pode ser: bater com força ou criticar severamente. “Back”, …

"Lenin e Marx nunca transaram dos jeitos que a gente transa"

Tinha lido esse livro cerca de um ano atrás na versão de e-book -- que inclusive está integralmente disponível no site da crocodilo edições, o que é bem justo com a proposta anárquica do livro, que é uma coletânea de textos. O contexto de escrita desses textos é justamente os levantes que se deram com a Bash Back!, uma "proposta de propagação de práticas libertárias e ações diretas, pela expansão de uma rede anti-hierárquica de levantes descentralizados, compostos por táticas múltiplas de antiopressão e antiassimilação" (como escreve Flávia Lucchesi no prefácio brasileiro), no contexto estadunidense ali pelo final dos anos 2000/começo dos anos 2010.

Quando li pela primeira vez, senti uma empolgação visceral, um impulso de querer procurar por uma organização, mas também querer iniciar uma insurreição. Esse sentimento se mantém nessa segunda leitura, agora em versão física, motivo pelo qual estou aumentando minha avaliação de 4/5 para 5/5.

As …

Art Spiegelman: Maus (GraphicNovel, Português language, 2005, Quadrinhos na Cia)

Maus ("rato", em alemão) é a história de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu ao …

"Se vida significa vitória, morte significa derrota"

Li MAUS duas vezes esse ano.

As duas foram desconfortáveis, mas na segunda leitura, consegui prestar mais atenção em detalhes que passaram um pouco batidos na sede de ver como a história terminava. Histórias em quadrinhos são minhas preferidas porque conseguem passar certos detalhes que só consigo notar em texto com maior dificuldade. Não consigo imaginar Maus sendo em outro formato. Parte da sacada de Spiegelman é a representação de humanos como animais antropomorfizados. Judeus são ratos, alemães não-judeus são gatos, poloneses são porcos, estadunidenses são cachorros, franceses são sapos, suecos são cervos... Além da óbvia metáfora entre caçador e caçado, entre rato e gato, Spiegelman força os próprios estereótipos pseudocientíficos de raça. Por exemplo, a esposa francesa de Spiegelman, convertida ao judaísmo, pede para ser representada por rato dentro da própria narrativa. Mas quem é ela, e onde ela se insere no jogo de raças da Europa?

Raças humanas …

Karl Marx, Friedrich Engels: Manifesto do Partido Comunista (Paperback, português language, 2008, Paz e Terra)

A leitura do Manifesto serve como chave para compreender a história dos homens numa virada …

"Proletários de todo mundo, uni-vos!"

O Manifesto é, como já estamos carecas de saber, um texto com caráter mais panfletário e menos profundo do que as outras obras de Marx (e Engels). Na minha opinião, o Manifesto peca em um lugar, pelo menos: a insistência de Marx no proletariado como a única classe capaz de trazer a emancipação da população das garras dos burgueses, em contraste com o que ele mesmo coloca como campesinato, lumpenproletariado, etc. Marx, por que você odeia tanto o campesinato, meu bem? É impossível falarmos do comunismo no Brasil do século XXI sem pensar no campesinato, por exemplo. E para mim o lumpenproletariado não é reacionário como Marx julga ser. Bom, eu preciso aprofundar minhas leituras em Marx antes de voltar nesse ponto, admito. Cenas dos próximos capítulos.

reviewed Píppi nos Mares do Sul by Astrid Lindgren (Píppi Meialonga, #3)

Astrid Lindgren: Píppi nos Mares do Sul (Paperback, português language, 2003, Companhia das Letrinhas)

Píppi Meialonga, a menina de tranças ruivas espetadas e rosto sardento, é a pessoa mais …

Píppi nos mares do sul: o livro continua uma leitura válida para crianças em 2023?

Content warning Assuntos sensíveis: racismo

reviewed Píppi a bordo by Astrid Lindgren (Píppi Meialonga, #2)

Astrid Lindgren: Píppi a bordo (Paperback, português language, 2002, Companhia das Letrinhas)

Com seu coração de ouro, suas tranças espetadas e as sardas que ela não troca …

A graça de Píppi a Bordo acaba no racismo colonialista

Content warning Inclui detalhes sobre o final do enredo. Assuntos sensíveis: racismo

reviewed Píppi Meialonga by Astrid Lindgren (Píppi Meialonga, #1)

Astrid Lindgren: Píppi Meialonga (Paperback, português language, 2001, Companhia das Letrinhas)

Autora de mais de oitenta livros já traduzidos para mais de setenta línguas, a sueca …

Píppi, a criança legal que eu gostaria de ter sido

Píppi Meialonga é o primeiro livro de uma trilogia da personagem Píppi, um clássico da literatura infantil sueca e da autora multipremiada Astrid Lindgren. Esse livro é um dos meus preferidos da minha infância, e estive revisitando para poder passá-lo adiante para alguma pessoa interessada, seja criança ou não. Píppi é uma criança esquisita, irreverente, original, e que não entende as regras da sociedade sueca porque cresceu viajando com seu pai, pirata. Tudo o que eu, uma criança esquisita, gostaria de ter sido: legal. Enfim, é uma leitura gostosa até mesmo para uma adulta. Se você tem crianças mais velhas (9~12 anos) na família, talvez interesse recomendar esse livro para elas. Tem um ou outro problema relativo à época em que foi escrito (i.e., as marcas colonialistas europeias dos anos 1940 aparecem de forma sutil), mas, na minha opinião, não estraga a experiência.

Woodrow Phoenix: Autocracia (GraphicNovel, português language, Veneta)

Uma história em quadrinhos sem personagens. Apenas estradas, passarelas, viadutos, calçadas, estacionamentos: o mundo no …

Intenso, mas senti falta de ilustrações diferentes

[Estou relendo o livro, minha primeira avaliação foi 3.5/5]

Sou entusiasta de histórias em quadrinhos, e claro, nelas as ilustrações estão na espinha dorsal da narrativa. Esse livro não é convencional no sentido de que não tem uma narrativa linear ilustrada por ações em quadros, na verdade o autor opta por representar paisagens que remetem ao trânsito e aos carros. Ele faz bem isso, mas admito que prefiro a abordagem convencional.

Dito isso, a problemática levantada pelo livro é essencial em 2023. Passou da hora de nos levantarmos contra a "autocracia", ou a ditadura do carro. Carros são muitas coisas, e uma delas é a representação da morte em centros urbanos. Morte não somente de pessoas, mas de outros seres vivos e da convivência em sociedade. Leitura importantíssima para aqueles que estão se insurgindo contra a supremacia do automóvel.

Ulrich Brand, Markus Wissen: Modo de Vida Imperial (Paperback, português language, 2021, Elefante)

O conceito de modo de vida imperial tenciona compreender melhor a constelação global de poder …

Bom livro, mas escrito por europeus

O livro trata do conceito de modo de vida imperial, que não é a mesma coisa que imperialismo, mas está intimamente relacionado. Os autores utilizam da história econômica e da sociologia para argumentar sobre como os modos de vida do Norte global impactam diretamente os moradores do Sul. Mais do que isso, estão progressivamente sendo adotados pelas elites desses lugares, aprofundando o desequilíbrio ecológico e social. Gostei particularmente da parte que fala do automobilismo imperial, ou como a dominância dos carros na sociedade urbana não é aleatória e sim trazida pelo capitalismo fordista. Um pecado do livro é inerente a seu contexto de produção; os autores são alemães e falam do seio da sociedade neoliberal em expansão. Até por isso, senti falta do foco nas alternativas ao modo de vida imperial e nas resistências populares. Essa parte está presente no livro, mas é apressada nas últimas 20 páginas. De qualquer …